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O Oriente Português: a perda de Ormuz e Malaca. O Brasil
O papel de dom João, duque de Bragança
«(…) Qual a maneira de encetar a revolta? Sugeriu-se o ataque ao
castelo de Lisboa ou às fortalezas da barra no dia 1 de Janeiro de 1640, o que não
se levou avante pelo receio das guarnições castelhanas ali de prevenção. Ao
longo do ano foram-se amadurecendo outros projectos, mas sem que os conjurados
tomassem a grande decisão, evitando que a mesma chegasse ao conhecimento da
duquesa de Mântua. Na última semana de Novembro decidiu-se não protelar o
movimento, quaisquer que fossem os riscos da sua execução. E assim, o plano foi
marcado para 1 de Dezembro, num ataque de surpresa ao Paço da Ribeira, para tirar
o poder à governadora de Portugal. Houve trinta e quatro conjurados que
responderam à chamada, jurando fazê-lo mesmo com o sacrifício da vida. Costuma
afirmar-se que o secretário Miguel Vasconcelos não soube da revolta, pelo que
não tomou providências. A verdade é que lhe chegou uma carta com rumores da
alteração, mas por imprevidência não a abriu, pelo que lhe teria sido fácil
desfazer a conjura. Mas a força do destino acompanhou a vontade dos homens, e assim
o triunfo da Restauração, em 1 de Dezembro de 1640, permitiu abrir uma nova
página da história nacional.
O espírito de autonomia
Para compreender o eclodir da Restauração, importa ter em conta as
grandes correntes mentais e ideológicas que ao longo de sessenta anos
mantiveram em Portugal o espírito da autonomia. Sem uma forte vibração de alma,
na consciência de um passado que mergulhava fundo no espírito dos Portugueses,
talvez não fosse possível a aclamação de 1640. O sebastianismo foi um desses
motores. Inspirado na ideia de que o Desejado não morrera nos areais de Alcácer
Quibir, foi-se transformando de culto em doutrina, na esperança colectiva de
que Portugal haveria de ser fiel ao seu destino. Várias figuras, de carácter
aventureiro, se fizeram passar por Sebastião I entre 1584 e 1601, numa vaga de
sabor messiânico e profético que ganhou auréola junto das populações. Para esse
espírito contribuíram as trovas de Gonçalo Eanes Bandarra, sapateiro de
Trancoso, em que se anunciava a hora da redenção na pessoa do Encoberto, ou rei
salvador de Portugal. O regresso de Sebastião transformou-se assim em doutrina
anunciadora da Restauração, no herói antevisto um século antes: João, duque de
Bragança, cuja presença se tinha cumprido na hora certa.
Os Mosteiros de Santa Cruz de Coimbra e de Santa Maria de Alcobaça
foram, no ponto de vista cultural, os dois grandes focos do sentimento
autonomista. O primeiro, pela adesão profunda que consagrava à memória de dom
António (18º monarca), prior do Crato, que fora escolar dos Crúzios. Foi também
ali que se manteve vivo o culto de Afonso Henriques, o que fazia crer na
protecção divina, por intercessão do primeiro monarca, sobre a coroa nacional.
De maior projecção foi, porém, a obra dos monges de Alcobaça. O espírito da
independência consolidara-se, na régia abadia, ao longo do governo espanhol.
Foi ali que se ergueu a Monarchia Lusitana, projecto de uma história da Nação
desde as mais remotas origens, obra forjada em grande parte com um objectivo
Patriótico.
O arauto dessa literatura de resistência, como lhe chamou Hernâni Cidade,
foi frei Bernardo Brito que compôs a história dos primórdios e acabou
precisamente na formação do Condado Portutalense. Estilista admirável, não
recuou todavia em servir-se de textos duvidosos, se não de pessoal feitura,
para localizar no mais longínquo passado as raízes de Portugal. Coube ao seu
sucessor, frei António Brandão, escrever as partes III e IV da grande História
alcobacense, englobando os reinados do conde Henrique a Afonso III, ou seja, os
primeiros cento e cinquenta anos do Estado Português. Foi ele, sem dúvida, o
maior dos historiógrafos de Alcobaça, pelo elevado espírito de ciência
histórica que a sua obra revela. Outros nomes viriam, depois da Restauração, a
prosseguir a magna empresa que correspondia a um imperativo nacional. Mas a frei
Bernardo Brito e a frei António Brandão se deve a permanência de uma tradição cultural
que o domínio dos Filipes não foi bastante para apagar.
Desde 1580 que uma parte da nobreza, para marcar o seu protesto contra
a realeza estranha, deixara o paço e fora morar nas suas terras, onde se dera a
uma forma de recolhimento para, nas lembranças do passado, manter o espírito da
autonomia. Em muitas povoações surgiram assim pequenas Cortes na Aldeia
que, no caso expresso de Leiria, o poeta Francisco Rodrigues Lobo
admiravelmente retrata. Com o apoio dessa nobreza solarenga criaram-se focos de
pensamento que muito contribuíram para a valorização regional do País. Por
parte de escritores e antiquários, como Manuel Severim Faria, Gaspar Estaço,
Jerónimo Mendonça e Miguel Leitão Andrade, muitos aspectos do passado nacional
foram objecto de estudo. Tão-pouco se pode omitir o labor de figuras que então
prestaram às letras assinalável serviço. Tal o caso de Manuel de Sousa
Coutinho, em religião frei Luís Sousa, que com a sua biografia de frei
Bartolomeu Mártires e a história da província de São Domingos mostrou dons de prosador
que fizeram dele um dos clássicos na nossa língua». In Joaquim Veríssimo Serrão, O
Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668), Edições Colibri, Estudos
Históricos, Lisboa, 1994, ISBN 972-8047-58-4.
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