segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A Igreja Sueva de São Martinho de Dume. Arquitectura Cristã Antiga de Braga e na Antiguidade Tardia do Noroeste de Portugal. Luís Fontes. «No meio rural, nas proximidades de aglomerados populacionais de maior ou menor importância, “castra-castella, vicus e villae”, junto a antigos santuários ou em locais de interesse colectivo…»

Capitel dos séculos V-VI
jdact e cortesia de uaum/lfontes

São Frutuoso
«Integrada nas ampliações posteriores do mosteiro de São Francisco, a pequena construção, que no século XVI ainda é descrita como possuindo 22 colunas no seu interior, viria a ficar emparedada entre as alas do convento, sendo redescoberta em 1897 pelo arquitecto Ernesto Korrodi. Na década de 30 do século XX, foi sujeito a um discutido projecto de restauro orientado pelo arquitecto João de Moura Coutinho.
Considerado como o mais importante e complexo exemplar de arquitectura cristã pré-românica existente em território português, o mausoléu de São Frutuoso já foi objecto de inúmeros estudos, continuando os investigadores a dividir-se, na interpretação do modelo arquitectónico dominante, entre visigotistas e moçarabistas.
Não ultrapassando os 13 metros em cada eixo, construído em sólido aparelho de cantaria granítica, o mausoléu apresenta uma planta em cruz de braços quadrados iguais, o do lado poente recto e com cobertura em abóbada de canhão e os restantes três abrigando absides em arco de ferradura e cobertura compósita. Ao centro eleva-se uma torre-lanterna, rematada por cúpula semi-esférica em tijolo.
Interiormente apresenta soluções arquitectónicas elaboradas, desde os arcos centrais das absides com tímpanos tripartidos em arcos em ferradura, assentes em pares de colunas e de impostas, de granito, calcário e mármore, todos com decoração em folhas de acanto, tipo coríntio tardio, até à profusão de sapatas de colunas no interior das absides, reveladoras da estruturação de um tecto de grande complexidade formal, cujo arranque era marcado por um friso de calcário decorado com flores-de-lis em semi-círculos.
Exteriormente, o classicismo das formas é animado, nas absides, por frisos e filetes em calcário, com decoração esculpida representando cordas, contas de rosário e bandas de flores-de-lis inscritas em semi-círculos; no corpo central elevado, para além dos frisos e filetes, sobressai o entablamento da cornija, decorado com uma arcatura cega de tipo lombardo, em que alternam dois arcos em ferradura com um arco em mitra. O arcosólio e o respectivo sarcófago patentes na fachada setentrional da abside nascente são reconstituições propostas pelo arquitecto Moura Coutinho.

Vista parcial do interior do mausoléu
jdact e cortesia de uaum/lfontes

O contexto regional. Povoamento e organização do território no domínio suevo e visigodo, séculos V-VIII
É aos bispos bracarenses, especialmente S. Martinho de Dume e S. Frutuoso, que se deve uma organização territorial administrativa completamente desenvolvida, com numerosas paróquias e igrejas privadas. E, ao contrário do que a historiografia tradicional considerou, da documentação coeva, designadamente das disposições conciliares, retira-se precisamente que os séculos V, VI e VII foram um período de contínuo labor construtivo, especialmente impulsionado pela Igreja, como confirmam os testemunhos materiais que a arqueologia tem vindo paulatinamente a descobrir.
Este labor construtivo depreende-se com clareza dos cânones conciliares de Braga, que testemunham a proliferação de novos templos, cuja consagração importava regular e o cuidado colocado pela hierarquia da Igreja na fixação de procedimentos que assegurassem a conservação dos edifícios de culto.
No meio rural, nas proximidades de aglomerados populacionais de maior ou menor importância, castra-castella, vicus e villae, junto a antigos santuários ou em locais de interesse colectivo, como centros mercantis, surgiram também igrejas, basílicas e mosteiros, construídas por iniciativa do bispo, das comunidades locais ou por vontade individual de um proprietário mais abastado, para além dos vestígios seguros de templos na cidade de Braga e nos seus arredores, Dume, São Frutuoso e Falperra, estão identificadas ruínas de um templo suévico ou visigótico na Costa (Guimarães) e indícios muito prováveis de outros em Santa Eulália de Águas Santas / Rio Covo e Banho (Barcelos), Facha (Ponte de Lima), Vila Mou (Viana do Castelo), Antime (Fafe), São João de Rei (Póvoa de Lanhoso), Santa Maria de Ferreiros (Amares), São João do Campo (Terras de Bouro) e Santo Adrião (Vizela)». In Luís Fontes, A Igreja Sueva de São Martinho de Dume, Arquitectura Cristã Antiga de Braga e na Antiguidade Tardia do Noroeste de Portugal, Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, Revista de História da Arte, 2008.

Cortesia da UAUAveiro/JDACT