quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina. José Augusto França. «Manuel da Maia, então à beira dos oitenta anos, nascera em 1677, tinha atrás de si uma longa carreira de engenheiro militar, dirigira a “Aula de Fortificações”, e servira os dois reis anteriores, sobre problemas de melhoramento da capital, cuja planta traçara em 1718»


jdact e cortesia da wikipedia

Os Programas de Manuel da Maia
«Entretanto, através do Regedor das Justiças, Pombal recebia, em 4 de Dezembro de 1755, a primeira parte dum longo memorial, ou dissertação em que o general Manuel da Maia, engenheiro-mor do Reino, estudava várias hipóteses da reconstrução de Lisboa. Documento da maior importância que revela o interesse posto pelo ministro nesta questão, que seria fundamental no seu consulado, revelando, ao mesmo tempo, as possibilidades nacionais de reacção técnica, e estética, ao magno problemaque se desenhava.
Manuel da Maia, então à beira dos oitenta anos, nascera em 1677, tinha atrás de si uma longa carreira de engenheiro militar, dirigira a formação de muitos outros na Aula de Fortificações, e servira os dois reis anteriores, não sem se debruçar sobre problemas de melhoramento da capital, cuja planta traçara em 1718. Maia discute no seu texto, prolongado, em 16 de Fevereiro e em 31 de Março de 1756, por mais duas partes, cinco hipóteses urbanísticas, propõe modelos arquitectónicos, avança observações de ordem técnica e prática. As cinco hipóteses que o velho engenheiro-mor prevê podem classificar-se em duas ordens:
  • Na primeira, vemos reedificar-se a cidade tal como era dantes, melhorada apenas pelo facto de serem novos os edifícios, mas vemos também alargarem-se as ruas para melhor serventia e maior formosura do conjunto, e vemos ainda, de acordo com uma prevenção constante de Manuel da Maia, reduzir os edifícios reconstruídos à altura de dois pisos sobre as lojas;
  • Na segunda ordem de programas encontramos duas ideias radicais. Arrasar o que restava da cidade velha, na sua parte central, ou baixa, mais danificada pelo terramoto, e planificá-la com inteira e conveniente liberdade ou abandonar a Lisboa antiga ao seu destino, deixando os proprietários dos prédios derruídos agir à sua vontade, e edificar outra, completamente nova, para os lados de Belém, aliás menos flagelados pela catástrofe, ideia que, de resto, andava no ar e teve eco numa correspondência da altura para o Journal Étranger de Paris.
Prós e contras Maia aponta para cada uma das suas cinco sugestões. A primeira, de prontíssima execução, evitava problemas na repartição das propriedades sinistradas e que eram reintegradas na nova edificação, mas construir em altura, como dantes, era esquecer os perigos sempre presentes dos tremores de terra, e o mesmo defeito cabia ao segundo programa. O terceiro excluía-o; mas seria possível levá-lo a efeito, perante a reclamação dos proprietários lesados pelo menor teor habitacional dos seus novos prédios reduzidos em altura? E também haveria que atender à remoção do entulho excedente, problema que não existiria nas hipóteses anteriores. O defeito maior do quarto programa, da cidade baixa renovada, seria compensar justamente os proprietários trocando-lhes terrenos. E é a última hipótese que, sobretudo, sorri ao engenheiro-mor:
  • nenhum problema com os escombros, com discussões de valor das propriedades destruídas, e o gosto de criar uma cidade realmente nova, sem o pesadelo de velhas recordações, num local de grande beleza e maior solidez, onde haveria a possibilidade de construir sem impedimentos e mais rapidamente.
De resto, alargando as ruas ou diminuindo a altura dos prédios no sítio antigo, Lisboa ia forçosamente estender-se até ao novo sítio. Acrescia que, embora em muito menor escala, idêntica solução se dera em outras localidades, com a formação de Vilas Novas e abandono das antigas. Defeito, só um, embora de talhe: a distribuição dos terrenos pelos antigos proprietários da cidade, com equivalências de localização e outras. Se bem que a sua opção parecesse feita, Manuel da Maia deixava, porém, a decisão ao rei, ou a Pombal, mediante a escolha que se viesse a fazer da localização do palácio real.
Ela comandaria a determinação do programa, situasse-se ele em Belém ou cerca de S. João de Bem-Casados, sítio que também achava recomendável, como aliás já achara em 1719. A primeira parte da dissertação termina com considerações técnicas, relativas à altura dos dois andares em que se insiste, ao nivelamento e aumento de cota do solo, e pergunta-se se se devem ou não formar arcadas nas ruas principais. Mas, sobretudo, Maia interroga-se sobre a possibilidade de ir para a frente com os seus planos, ele que tanto tinha visto em tempos passados, vendo sempre abortar, por inércia e interesses poderosos, ideias de renovação…» In José Augusto França, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Director da Publicação António Quadros, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva do Comércio, Instituto Camões, 1986.

Cortesia de I. Camões/JDACT