«Quando Thomas Reynolds (Sénior) morreu na Nova Zelândia,
em 1867, estava longe de imaginar que a pequena oficina de preparação de cortiça
que vendera, alguns anos antes, a um seu compatriota, George Robinson, na
cidade de Portalegre, se iria converter numa referência na história da indústria
portuguesa. A Fábrica de Cortiça Robinson foi durante século e meio um caso
invulgar no panorama industrial português. Fundada pelo empresário inglês George
Robinson, manteve ao longo do tempo uma laboração sem interrupções, sabendo
sempre renovar-se mau grado as naturais
dificuldades conjunturais.
A sua história confunde-se com a história de Portalegre,
do Norte Alentejano e da Indústria Corticeira Nacional. Essa história
consubstancia-se num importantíssimo património histórico, com destaque para um
rico espólio no campo da arqueologia industrial. A empresa conservou numerosas
estruturas e equipamentos do século XIX, alguns em perfeito estado de
funcionamento, apesar das renovações tecnológicas periódicas. Para além do seu
interesse museológico, esse material tem uma valiosa dimensão pedagógica. Mas a
história da Robinson não se reduz a essa componente material. Há que acrescentar
ao arquivo da empresa outros acervos documentais espalhados por arquivos
públicos e privados, tanto em Lisboa como em Portalegre, uma iconografia que
compreende essencialmente fotografias e postais e também um património de
histórias de vida de muitos operários ainda vivos, que têm toda uma vivência
social e cultural que fizeram desta empresa um caso invulgar, diríamos quase
ímpar, no panorama industrial luso dos últimos cento e cinquenta anos.
A ela estiveram associadas organizações de
beneficência e de instrução, corporações de bombeiros, iniciativas culturais do
maior alcance que ajudaram a fazer com que esta região seja o que é hoje. A história da fábrica confunde-se com a
história de Portalegre. Os reflexos da vida da empresa na sociedade local
ultrapassaram em muito os aspectos meramente económicos, projectando-se nos
domínios do social, do cultural e até do mental. Podemos dizer que a actividade
corticeira moldou a sociedade portalegrense ao longo de cento e cinquenta anos e que as chaminés da fábrica, embora
edificadas numa fase tardia, se converteram, juntamente com a inconfundível silhueta
da Sé Catedral, num ex-libris da cidade.
O caso de George Robinson não é inédito entre nós. Já no século XVIII se assinalam diversos
industriais ingleses que se fixam em Portugal, o que continua a ocorrer na
centúria seguinte, em especial no sector dos vinhos do Porto e da Madeira,
havendo neste último caso diversos estudos sobre a influência inglesa na
economia e na sociedade madeirense. Mas
só no século XIX alguns britânicos se interessaram por um sector tradicional,
mas ainda longe da expansão que alcançará em meados de oitocentos, o corticeiro, como sucedeu com os
Reynolds e depois com George Robinson.
Apresentamos a seguir uma breve cronologia da história
da Fábrica
de Cortiça Robinson. É um pálido reflexo de uma vivência mais que
secular, mas ilustrativo da sua importância no passado, no presente e no
futuro. George William Robinson nasceu em Wakefield, condado de York,
Inglaterra, em 1815. A sua família
tinha interesses ligados à importação de cortiça portuguesa, que era transformada
em fábricas britânicas. George Robinson veio a Portugal para contactar
directamente com o comércio corticeiro local, visitando diversas localidades do
litoral, Moita, Setúbal, Sintra, dirigindo-se depois a Portalegre. Aqui,
um seu compatriota, Thomas Reynolds, fundara em 1837 uma pequena oficina para transformação de cortiça numa parte
do extinto convento de São Francisco, que ficara devoluto após a extinção
das ordens religiosas decretada pelos liberais triunfantes em 1834 e que traçou um novo destino para
o Convento de São Francisco, o mais
antigo da cidade, uma vez que a sua
fundação data do século XIII.
1848 –
George Robinson instalou-se em definitivo em Portalegre, acabando por adquirir
a pequena fábrica de Thomas Reynolds. Era o início de uma empresa que, começando
lenta mas seguramente, se converteria na maior unidade fabril da cidade. George
Robinson possuía todas as condições para triunfar: um estabelecimento fabril
com trabalhadores dotados de um know-how,
uma região produtora de matéria-prima e, sobretudo, bons contactos em Inglaterra.
Iria beneficiar, também, do aumento vertiginoso das exportações de cortiça. Se
em 1797 Portugal exportara 115182
grosas de rolhas e 1331 toneladas de cortiça em prancha, após uma
quebra decorrente das Invasões Francesas e da Guerra Civil, a partir de meados do século
XIX as exportações não mais pararam de subir, ascendendo em 1880 a mais de 2 000 contos de réis.
Ora a Grã-Bretanha absorvia mais de 50% desse volume». In António
Ventura, Fundação Robinson, Publicações da Fundação Robinson nº 0, 2007, p.
8-23, ISSN 1646-7116
continua
Cortesia da F. Robinson/JDACT