«Um novo avanço das
tropas muçulmanas ocorrido em 1191 provocou a queda de Alcácer, Palmela e
Almada, tendo os castelos destas duas últimas localidades sido destruídos.
Seguiu-se a perda, por parte dos cristãos, de Silves, que entretanto havia sido reconquistada com auxílio dos
Cruzados. Para a Ordem de Santiago, a situação era extremamente desfavorável: a
perda dos castelos significava a amputação de uma parte considerável do seu
território no nosso país. Será neste contexto que o monarca Sancho faz, em 1193, a doação de bens em Santarém, acima
referida:
- a Ordem precisava de rendimentos que lhe permitissem prosseguir as actividades militares e o consequente restauro das fortalezas. Também a doação feita em 1194 da casa e herdade de Santos, em Lisboa, deve ser enquadrada nestes termos, não sendo contudo de excluir a importância das relações pessoais entre o próprio mestre de Santiago, Sancho Fernandes, ou mesmo Soeiro Rodrigues, comendador-mor de Portugal e o monarca.
Após uma primeira fase
de implantação da Ordem de Santiago em Portugal, os mestres castelhanos
não demonstraram um grande interesse pelos territórios aqui situados, o que
permitiu uma progressiva autonomização da comenda-mor portuguesa, que não sendo
independente de iure o era de facto relativamente a Uclés. Se por um lado esta
situação pode estar relacionada com a desconfiança de Afonso Henriques, que
acabámos de enunciar, também acreditamos que a atitude dos mestres de Santiago
em Castela relativamente ao ramo português da Ordem poderá ser explicada pelas dissensões
internas que, por um motivo ou outro, abalaram a milícia após a morte de Pedro Fernandes.
Para além da Ordem de
Santiago, ou mais concretamente da comenda-mor sediada em Portugal, Afonso
Henriques contou também com uma outra milícia, esta de fundação
nacional, criada pela mesma altura, e que se veio a ligar à Ordem de
Calatrava, do reino de Castela: referimo-nos à Milícia dos Freires de Évora,
chamada Ordem (de S. Bento) de Avis depois de 1211 após a doação do lugar assim chamado por Afonso II. A Milícia
de Évora terá surgido entre Março de 1175 e Abril de 1176 num contexto
de avanço almóada e do abandono por parte de Geraldo Sem Pavor das
hostes cristãs. Não sabemos se a ideia da criação da milícia partiu do próprio
monarca, que na altura não podia contar com o apoio dos templários que tinham
já a incumbência da defesa das fortalezas da linha do Tejo, ou se dele apenas
terá partido a sugestão do seu primeiro mestre, Gonçalo Viegas de Lanhoso. É
possível que a atitude de Afonso Henriques seja comparável às dos reis de Leão
e Castela que, algum tempo antes, tinham fundado instituições semelhantes em Calatrava
e Uclés. Tendo sido ou não co-fundador da Milícia, Afonso Henriques
outorga-lhe, em Abril de 1176, o castelo de Coruche e umas casas e
vinhas no alcácer velho em Évora, bem como umas casas em Santarém. Os motivos
aduzidos na doação são a utilitatem christianis
et defensionem regni, o que aponta desde logo para a colaboração dos
cavaleiros de Évora nas actividades militares do monarca.
Não é certo que Afonso
Henriques tenha apoiado incondicionalmente a nova milícia:
- apenas chegou até nós mais uma doação afonsina aos freires eborenses, de alguns bens igualmente situados em Évora e em Santarém. É contudo possível que, além da defesa de Coruche, lhes tivesse sido confiada a guarda do castelo de Évora. Foi preciso esperar por 1187 para que a Milícia de Évora recebesse os castelos de Alcanede e de Juromenha, este quando fosse conquistado, bem como a vila de Alpedriz.
A posse destes domínios significa que nos dez primeiros anos da sua
existência, a Milícia de Évora se desenvolveu, em termos humanos, o
suficiente para poder assegurar a manutenção destas praças. Por esta razão, não
deixa de ser estranho o reduzido número de diplomas régios relativos aos
cavaleiros durante este período. Cabe então perguntar que vantagens terá
trazido à confraria dos freires de Évora o facto de Gonçalo Viegas, ex-pretor
de Lisboa e, portanto, homem de confiança do rei, ter sido o seu primeiro
mestre». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de
Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.
Cortesia da Faculdade de Letras do Porto/JDACT