segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina. José Augusto França. «O ministro Carvalho, e chamemos-lhe desde já Pombal, pelo título por que ficou na história, embora só recebesse o marquesado em 1770, depois de ter sido feito conde de Oeiras em 1759, desde logo também pensou no futuro da cidade martirizada»


jdact e cortesia da wikipedia

O Terramoto. Seus Efeitos e Medidas Tomadas
«A cidade ficara em parte arrasada pelo sismo e em maior parte foi devastada pelo fogo. Dois terços das ruas ficaram inabitáveis, ou só três mil casas das vinte mil existentes, após o incêndio. Das quarenta igrejas paroquiais, trinta e cinco desmoronaram-se, arderam, ou ficaram em ruínas, só onze conventos dos sessenta e cinco existentes ficaram habitáveis, embora com danos, nenhum dos seis hospitais se salvaram do fogo e trinta e três residências das principais famílias da corte ficaram destruídas. O número dos mortos e dos feridos cresceu de boca em boca. O Núncio calculou quarenta mil mortos, outros falavam em setenta ou noventa mil, o futuro marquês de Pombal reduziu o cálculo a seis ou oito mil, mas os números mais fidedignos da época anunciam de doze a quinze mil, e, finalmente, concluiu-se terem perecido uns dez mil habitantes, em plena catástrofe ou por seu efeito.
Entre eles, só oito fidalgos, porque a corte não regressara ainda a Lisboa, afirma-se que o rei, estando em Belém, nunca se deu conta, visualmente, do alcance da tragédia, o tempo continuava bom para habitar o campo, e o próprio povo terá sido em grande parte poupado pela hora matutina do acontecimento, nove e quarenta da manhã, pois, mais tarde, nas missas concorridas desse dia de Todos-os-Santos, teria conhecido muito mais vítimas dentro das igrejas desmoronadas. Fora, afinal, feliz a desgraça, comentou-se na altura…
Perdas materiais, incomensuráveis. Todos os cálculos que vieram a lume avançam números incontroláveis mas cuja importância significa bem o prejuízo que a fazenda nacional e privada sofreu, e logo a própria corte, com o seu paço devastado e as suas riquezas perdidas. Para o país, já empobrecido pelo estado da sua agricultura, do seu comércio e duma indústria inexistente, a ruína da capital em que se concentravam as suas forças, com dez por cento da população, foi calamitosa. No momento da catástrofe, o pânico tomou conta dos lisboetas: todos se refugiavam nos pontos menos atingidos e ali acampavam como podiam, ou fugiam para mais longe, fora de portas.
  • Com as suas ruas alastradas de mortos, e cobrindo com as suas ruínas a outro maior número de cadáveres, justamente havia de temer que pela corrupção destes se seguisse ao terramoto o flagelo da peste.
Era preciso enterrar os mortos e tratar dos vivos, e logo nos dias seguintes à tragédia se tomaram providências para sepultar os cadáveres, se pôs ao cardeal-patriarca a questão de os poder lançar ao mar, se exortaram os párocos a fazer voltar os seus clientes fugidos, em breve proibidos de abalar sem passe, se controlou a entrada de mantimentos na cidade e o seu rateio, eximindo-os de impostos e fixando preços para evitar toda a especulação, se chamou à cidade regimentos da província para manter a ordem e prender salteadores que se aproveitavam da situação e eram prontamente justiçados em forcas levantadas em quatro pontos da cidade.


Medidas urgentes e indispensáveis que foram produzidas pelo único dos ministros capaz de enfrentar a conjuntura: Sebastião José de Carvalho e Melo, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra à subida do rei José I ao trono e que, em Maio de 1756, tomaria conta da pasta doReino. A sua longa ditadura até 1777 começou nesses dias de aflição em que a sua competência se comprovava. A seu lado, na execução das primeiras medidas, encontravam-se o duque de Lafões, Regedor das Justiças, o marquês de Alegrete, presidente do Senado camarário, e o de Marialva, Governador das Armas.
Muitos socorros chegaram então ao reino, ofertas e promessas de cortes estrangeiras e do Brasil. Víveres de Inglaterra, materiais de construção de Hamburgo aportavam em barcos carregados, e também dinheiro. O comércio de Lisboa ofereceu ao rei, que o aceitou em 2 de Janeiro, um imposto de quatro por cento sobre os direitos que incidiam nas mercadorias despachadas na alfândega, e esse seria o contributo que permitiria reconstruir as estruturas públicas da capital.
O ministro Carvalho, e chamemos-lhe desde já Pombal, pelo título por que ficou na história, embora só recebesse o marquesado em 1770, depois de ter sido feito conde de Oeiras em 1759, desde logo também pensou no futuro da cidade martirizada. O desentulhamento das ruas, a drenagem das águas estagnadas, a balisagem das parcelas destruídas, a acomodação dos escombros para nivelamento dos sítios, a medição e tombo das praças, ruas, casas e edifícios públicos, com exacta descrição de cada bairro, foram providências de Novembro e Dezembro, e logo a 3 de Dezembro se determinava que nenhuma construção se fizesse para além dos limites antigos da cidade que, aliás, envolviam muitos sítios meio rústicos.
Proibição sem apelo e que foi agravada por novo diploma, em 30 do mesmo mês, que impedia toda e qualquer construção enquanto o inventário das propriedades não estivesse terminado. Daí que, em 12 de Fevereiro seguinte, um decreto mandasse demolir as casas edificadas contra o estipulado, e que, em 8 de Outubro de 1760, essa demolição fosse extensiva a barracas de grande porte que entretanto tinham sido erguidas dentro dos limites urbanos anteriormente estabelecidos, ficando só aquelas que existissem fora de tais limites. Na verdade, logo após o terramoto começaram a surgir pela cidade barracas, por vezes de grande acabamento, e de pedra e cal, em dois andares e lojas, que não se diferençavam duma nobre propriedade, e que, sendo nove mil levantadas em seis meses, chegaram a representar um novo hábito residencial a que não era estranho um novo luxo. Por outro lado, o decreto de 30 de Dezembro aludia a planos para cada bairro que já estavam encomendados e que em breve seriam publicados. Assim, simultaneamente, pretendia-se impor uma regularização programada à nova cidade em gestação, e impedir que os trabalhos anunciados fossem de antemão prejudicados por soluções de urgência que tenderiam naturalmente a criar uma habituação, numa desordem urbana semelhante à da cidade antiga». In José Augusto França, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Director da Publicação António Quadros, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva do Comércio, Instituto Camões, 1986.

Cortesia de I. Camões/JDACT