O Terramoto. Seus Efeitos e Medidas
Tomadas
«A cidade ficara em
parte arrasada pelo sismo e em maior parte foi devastada pelo fogo. Dois terços
das ruas ficaram inabitáveis, ou só três mil casas das vinte mil existentes,
após o incêndio. Das quarenta igrejas paroquiais, trinta e cinco
desmoronaram-se, arderam, ou ficaram em ruínas, só onze conventos dos sessenta
e cinco existentes ficaram habitáveis, embora com danos, nenhum dos seis
hospitais se salvaram do fogo e trinta e três residências das principais
famílias da corte ficaram destruídas. O número dos mortos e dos feridos cresceu
de boca em boca. O Núncio calculou quarenta
mil mortos, outros falavam em setenta
ou noventa mil, o futuro marquês de Pombal reduziu o cálculo a seis
ou oito mil, mas os números mais fidedignos da época anunciam de doze
a quinze mil, e, finalmente, concluiu-se terem perecido uns dez
mil habitantes, em plena catástrofe ou por seu efeito.
Entre eles, só oito
fidalgos, porque a corte não regressara ainda a Lisboa, afirma-se que o rei,
estando em Belém, nunca se deu conta, visualmente, do alcance da tragédia, o tempo
continuava bom para habitar o campo, e o próprio povo terá sido em grande parte
poupado pela hora matutina do acontecimento, nove e quarenta da manhã, pois, mais tarde, nas missas concorridas
desse dia de Todos-os-Santos, teria
conhecido muito mais vítimas dentro das igrejas desmoronadas. Fora, afinal, feliz a desgraça, comentou-se na
altura…
Perdas materiais,
incomensuráveis. Todos os cálculos que vieram a lume avançam números
incontroláveis mas cuja importância significa bem o prejuízo que a fazenda nacional
e privada sofreu, e logo a própria corte, com o seu paço devastado e as suas
riquezas perdidas. Para o país, já empobrecido pelo estado da sua agricultura,
do seu comércio e duma indústria inexistente, a ruína da capital em que se
concentravam as suas forças, com dez por cento da população, foi calamitosa. No
momento da catástrofe, o pânico tomou conta dos lisboetas: todos se refugiavam
nos pontos menos atingidos e ali acampavam como podiam, ou fugiam para mais
longe, fora de portas.
- Com as suas ruas alastradas de mortos, e cobrindo com as suas ruínas a outro maior número de cadáveres, justamente havia de temer que pela corrupção destes se seguisse ao terramoto o flagelo da peste.
Era preciso enterrar os mortos e tratar dos vivos,
e logo nos dias seguintes à tragédia se tomaram providências para sepultar os
cadáveres, se pôs ao cardeal-patriarca a questão de os poder lançar ao mar, se
exortaram os párocos a fazer voltar os seus clientes fugidos, em breve
proibidos de abalar sem passe, se controlou a entrada de mantimentos na cidade
e o seu rateio, eximindo-os de impostos e fixando preços para evitar toda a
especulação, se chamou à cidade regimentos da província para manter a ordem e
prender salteadores que se aproveitavam da situação e eram prontamente
justiçados em forcas levantadas em quatro pontos da cidade.
Medidas urgentes e indispensáveis que foram produzidas pelo único dos ministros capaz de enfrentar a conjuntura: Sebastião José de Carvalho e Melo, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra à subida do rei José I ao trono e que, em Maio de 1756, tomaria conta da pasta doReino. A sua longa ditadura até 1777 começou nesses dias de aflição em que a sua competência se comprovava. A seu lado, na execução das primeiras medidas, encontravam-se o duque de Lafões, Regedor das Justiças, o marquês de Alegrete, presidente do Senado camarário, e o de Marialva, Governador das Armas.
Muitos socorros chegaram
então ao reino, ofertas e promessas de cortes estrangeiras e do Brasil. Víveres
de Inglaterra, materiais de construção de Hamburgo aportavam em barcos
carregados, e também dinheiro. O comércio de Lisboa ofereceu ao rei, que o
aceitou em 2 de Janeiro, um imposto de quatro por cento sobre os direitos que
incidiam nas mercadorias despachadas na alfândega, e esse seria o contributo
que permitiria reconstruir as estruturas públicas da capital.
O ministro Carvalho, e
chamemos-lhe desde já Pombal, pelo título por que ficou na história, embora só
recebesse o marquesado em 1770, depois de ter sido feito conde de Oeiras
em 1759, desde logo também pensou no futuro da cidade martirizada. O
desentulhamento das ruas, a drenagem das águas estagnadas, a balisagem das
parcelas destruídas, a acomodação dos escombros para nivelamento dos sítios, a
medição e tombo das praças, ruas, casas e edifícios públicos, com exacta descrição de cada bairro, foram
providências de Novembro e Dezembro, e logo a 3 de Dezembro se determinava que
nenhuma construção se fizesse para além dos limites antigos da cidade que,
aliás, envolviam muitos sítios meio rústicos.
Proibição sem apelo e
que foi agravada por novo diploma, em 30 do mesmo mês, que impedia toda e qualquer
construção enquanto o inventário das propriedades não estivesse terminado. Daí
que, em 12 de Fevereiro seguinte, um decreto mandasse demolir as casas
edificadas contra o estipulado, e que, em 8 de Outubro de 1760, essa demolição
fosse extensiva a barracas de grande porte que entretanto tinham sido erguidas
dentro dos limites urbanos anteriormente estabelecidos, ficando só aquelas que existissem
fora de tais limites. Na verdade, logo após o terramoto começaram a surgir pela
cidade barracas, por vezes de grande acabamento, e de pedra e cal, em dois
andares e lojas, que não se diferençavam duma nobre propriedade, e que,
sendo nove mil levantadas em seis meses, chegaram a representar um novo hábito
residencial a que não era estranho um novo luxo. Por outro lado, o decreto de
30 de Dezembro aludia a planos para cada bairro que já estavam
encomendados e que em breve seriam publicados. Assim, simultaneamente, pretendia-se
impor uma regularização programada à nova cidade em gestação, e impedir que os
trabalhos anunciados fossem de antemão prejudicados por soluções de urgência que
tenderiam naturalmente a criar uma habituação, numa desordem urbana semelhante
à da cidade antiga». In José Augusto França, A Reconstrução de
Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Director da Publicação António Quadros, Instituto de Cultura
e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva do Comércio, Instituto
Camões, 1986.
Cortesia de I.
Camões/JDACT