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Da morte do cardeal-rei Henrique
I à Invasão Castelhana
A Voz Dramática do “Velho Portugal”
«O cardeal-rei Henrique I faleceu em Almeirim, cerca das onze horas da
noite de 31 de Janeiro de 1580. Ao contrário
do que afirmaram alguns historiadores deficientemente informados, recusou-se
até ao derradeiro alento a declarar sucessor ao trono seu sobrinho Filipe II de
Castela. No mesmo dia em que morreu, visitaram-no Cristóvão de Moura, português
renegado, e o duque de Ossura, como embaixadores castelhanos, com o fim de lhe
arrancarem a ambicionada declaração. Ainda insistiram com ele por duas vezes,
uma de manhã, outra de tarde. Apesar de muito debilitado e quase moribundo, o
monarca manteve obstinadamente a sua última decisão:
- Deixar às Cortes, então reunidas em Almeirim e Santarém, a resolução do caso, que, em seu entender, era sujeitar-se o imperante vizinho, tal como os outros pretendentes, à arbitragem de um tribunal que se pronunciaria imparcialmente sobre quem caberia o cepto.
Mas, acima de todos os tribunais, de todas as intrigas de chancelarias,
de todas as manobras de suborno executadas na sombra, erguia-se a voz do povo
português, a genuína vontade da nação, e esta exigia um rei natural, excluindo
assim todas as probabilidades legais de Filipe II ascender ao trono lusitano,
mesmo que não houvesse dúvidas sobre a legitimidade da sua herança. Um anónimo
escreveu e pôs largamente em circulação pelo reino, tempos antes de falecer o
cardeal-rei, um curioso panfleto, que, expressando admiravelmente o sentir
popular dessa época, evoca momentos graves da história em que a vontade
nacional, apesar de contrariada por subornados, traidores e ambiciosos sem
escrúpulos, acabou por prevalecer, repelindo com energia as tentativas de
absorção por parte de Castela, mesmo quando esta se apresentava com todo o
poder das suas armas. É um escrito precioso, descoberto
por um investigador pertinaz e arguto, a quem se deve a revelação da maior
parte dos documentos relativos a esse sombrio momento histórico, existentes no
Arquivo Secreto do Vaticano (padre
José de Castro, O Prior do Crato). Interessa muito conhecê-lo, antes de
passarmos à evocação dos acontecimentos que ilustraram a luta desesperada de António, Prior do Crato, intérprete da
alma nacional, contra a opressão estrangeira representada por Filipe II.
Pela clareza das ideias e boa ordenação dos factos, pelo conhecimento
profundo, quer do passado quer dos sucessos coevos, e ainda pelo espírito
católico que o enforma, pressente-se, sob o anonimato, a pena destra de um
eclesiástico culto, talvez um jesuíta. Não se conhece senão a versão italiana
que mons. José de Castro traduziu primorosamente. Através dela, porém,
adivinha-se a forma correcta da redacção original. Pela profunda impressão que
ainda causa nos leitores do nosso tempo, podemos imaginar o alvoroço, as
esperanças e o estímulo que este papel teria insuflado no povo português, nos
momentos cruciais em que ele se apercebia das traições que se forjavam na
sombra e já tinha conhecimento da multidão em armas que o monarca castelhano ia
aglomerando nas proximidades das fronteiras.
É a voz de Portugal, já então velho de mais de quatro séculos,
que se faz ouvir num apelo nobre, sem ser desvairado, antes muito lúcido, às
virtudes lusitanas; e essa voz chega até o nosso tempo com tanta eloquência e
vibração como se tivesse acabado de soar neste instante». In Mário Domingues, O Prior do
Crato Contra Filipe II, Evocação Histórica, edição da L. Romano Torres, Lisboa,
1965.
Cortesia de Romano Torres/JDACT