quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O Prior do Crato Contra Filipe II. Evocação Histórica. Mário Domingues. «”É um escrito precioso”, descoberto por um investigador pertinaz e arguto, a quem se deve a revelação da maior parte dos documentos relativos a esse sombrio “momento histórico”, existentes no A. S. do Vaticano (padre José de Castro, O Prior do Crato)»



António I de Portugal
jdact e cortesia de wikipedia

Da morte do cardeal-rei Henrique I à Invasão Castelhana
A Voz Dramática do “Velho Portugal”
«O cardeal-rei Henrique I faleceu em Almeirim, cerca das onze horas da noite de 31 de Janeiro de 1580. Ao contrário do que afirmaram alguns historiadores deficientemente informados, recusou-se até ao derradeiro alento a declarar sucessor ao trono seu sobrinho Filipe II de Castela. No mesmo dia em que morreu, visitaram-no Cristóvão de Moura, português renegado, e o duque de Ossura, como embaixadores castelhanos, com o fim de lhe arrancarem a ambicionada declaração. Ainda insistiram com ele por duas vezes, uma de manhã, outra de tarde. Apesar de muito debilitado e quase moribundo, o monarca manteve obstinadamente a sua última decisão:
  • Deixar às Cortes, então reunidas em Almeirim e Santarém, a resolução do caso, que, em seu entender, era sujeitar-se o imperante vizinho, tal como os outros pretendentes, à arbitragem de um tribunal que se pronunciaria imparcialmente sobre quem caberia o cepto.
Mas, acima de todos os tribunais, de todas as intrigas de chancelarias, de todas as manobras de suborno executadas na sombra, erguia-se a voz do povo português, a genuína vontade da nação, e esta exigia um rei natural, excluindo assim todas as probabilidades legais de Filipe II ascender ao trono lusitano, mesmo que não houvesse dúvidas sobre a legitimidade da sua herança. Um anónimo escreveu e pôs largamente em circulação pelo reino, tempos antes de falecer o cardeal-rei, um curioso panfleto, que, expressando admiravelmente o sentir popular dessa época, evoca momentos graves da história em que a vontade nacional, apesar de contrariada por subornados, traidores e ambiciosos sem escrúpulos, acabou por prevalecer, repelindo com energia as tentativas de absorção por parte de Castela, mesmo quando esta se apresentava com todo o poder das suas armas. É um escrito precioso, descoberto por um investigador pertinaz e arguto, a quem se deve a revelação da maior parte dos documentos relativos a esse sombrio momento histórico, existentes no Arquivo Secreto do Vaticano (padre José de Castro, O Prior do Crato). Interessa muito conhecê-lo, antes de passarmos à evocação dos acontecimentos que ilustraram a luta desesperada de António, Prior do Crato, intérprete da alma nacional, contra a opressão estrangeira representada por Filipe II.
Pela clareza das ideias e boa ordenação dos factos, pelo conhecimento profundo, quer do passado quer dos sucessos coevos, e ainda pelo espírito católico que o enforma, pressente-se, sob o anonimato, a pena destra de um eclesiástico culto, talvez um jesuíta. Não se conhece senão a versão italiana que mons. José de Castro traduziu primorosamente. Através dela, porém, adivinha-se a forma correcta da redacção original. Pela profunda impressão que ainda causa nos leitores do nosso tempo, podemos imaginar o alvoroço, as esperanças e o estímulo que este papel teria insuflado no povo português, nos momentos cruciais em que ele se apercebia das traições que se forjavam na sombra e já tinha conhecimento da multidão em armas que o monarca castelhano ia aglomerando nas proximidades das fronteiras.

Infante Luís, pai de Afonso I de Portugal

É a voz de Portugal, já então velho de mais de quatro séculos, que se faz ouvir num apelo nobre, sem ser desvairado, antes muito lúcido, às virtudes lusitanas; e essa voz chega até o nosso tempo com tanta eloquência e vibração como se tivesse acabado de soar neste instante». In Mário Domingues, O Prior do Crato Contra Filipe II, Evocação Histórica, edição da L. Romano Torres, Lisboa, 1965.

Cortesia de Romano Torres/JDACT