Por terra, a túnica em pedaços,
agonizando a Pátria está.
Ó Mocidade, oiço os teus passos!...
Beija-a na fronte, ergue-a nos braços,
não morrerá!
(Guerra Junqueiro, in Finis Patríae, 1891)
O estudante é uma esperança. Consubstancia em si o futuro. Os desiludidos
confiam nas escolas como os antigos reis magos confiavam na sua estrela. In Magalhães Lima, O jornal dos
estudantes, “Liberdade” de 31 de Janeiro de 1901.
«Uma sociedade, uma
classe, um grupo, quando se detêm em pensamento reflexivo, tendem a
problematizar-se em três vectores diacrónicos. Feito o balanço das jornadas
idas e questionado o tempo corrente, volve-se o olhar para mais além e
traçam-se os contornos do porvir. Correlativamente, avaliam-se as forças
juvenis que se vão enfileirando para a passagem do testemunho. Épocas há em que
esta preocupação se torna obsidiante. Épocas de crise.
Exemplifiquemos: o apelo
ao dinamismo arrebatador das novas camadas geracionais irrompe com flagrância
na prática discursiva republicana após 1890, salientando-se uma acentuada visão
épico-messiânica da mocidade não uma qualquer mocidade, mas, em particular, a mocidade
das escolas, um quase culto da juventude indomável e sábia, caritativa e
magnânima. Junqueiro exaltou-a, de
modo paradigmático, nesse Finis
Patríae de que quase sempre só retemos a toada decadentista e
funebremente pessimista das estrofes iniciais. Magalhães Lima santificou-a,
metamorfoseando jovens escolares em cruzados de novas Jerusaléns. À boa maneira
positivista, os estudantes envergam a capa de heróis virtuosos, detentores do fogo
sagrado da ciência, pedras basilares da consecução do progresso. Na tradição da
gesta romântica de 1848, a academia
compadece-se com a miséria dos desprotegidos da sorte, tranquilizando-os com a
sua mensagem de esperança:
- [...] enquanto houver um académico para mendigar pelas portas e um jornal para clamar justiça, haveis de nos encontrar ao vosso lado com toda a força da nossa mocidade e toda a simpatia das nossas crenças.
Enquanto houver um
jornal para clamar justiça... Na estratégia republicana para a tomada do poder
não foi descurado o papel dos organismos propagandísticos, no intuito,
louvável, de tornar comum a uma cada vez maior parcela da sociedade os
princípios doutrinários do republicanismo e da democracia liberal. Também neste
sector específico foi atribuído um relevo enfático ao contributo que os
estudantes poderiam tributar à causa da revolução. A apetência destes para se
vincularem a uma política anti-conservadora vinha sendo estimulada por factores
endógenos e exógenos de já longa data. Reportando-se à década de 60, Eça de
Queirós, em texto memorativo de Antero de Quental, inventariou para
a posteridade um razoável acervo de elementos capazes de perturbar o mais
abúlico dos seres:
- Cada manhã trazia a sua revelação, como um Sol que fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico, e Proudhon; e Hugo tornado profeta e justiceiro dos reis; e Balzac, com o seu mundo perverso e lânguido; e Goethe, vasto como o universo; e Poe, e Heine, e creio já que Darwin, e quantos outros!
Mas não só as novas teorias políticas, os diferentes ideais
ético-filosóficos, as renovadoras conquistas científicas, as audazes propostas
de um romantismo em mutação, vieram convulsionar os espíritos. Em 1871, a Comuna de Paris, em 1873, a República em Espanha. Duas
experiências fugazes, duas marcas indeléveis. José Falcão faz circular um
opúsculo em glória dos communards
suscitando a emergência de núcleos republicanos; em Coimbra festeja-se
ruidosamente a queda da monarquia vizinha, solidarizando-se com o acontecimento
alguns membros do corpo docente da Universidade, como, por exemplo, Manuel
Emídio Garcia, Mendonça Cortês e Rodrigues de Brito, significativas
excepções num meio consabidamente esclerosado e avesso à agitação das suas
estruturas. Porque, e aqui depara-se-nos um dos tais factores de raiz endógena, a
Universidade era, com efeito, uma grande escola de revolução, um modelo
miniatural do burocratismo, servilismo e mediocridade em que se plasmava o
quotidiano português». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática
Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento
Estudantil, Análise Social, vol.
XIX, 1983.
Cortesia de Análise
Social/JDACT