sábado, 9 de fevereiro de 2013

Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931). Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil. Ana Caiado Boavida. «Em 1871, a Comuna de Paris, em 1873, a República em Espanha. Duas experiências fugazes, duas marcas indeléveis»


Cortesia de wikipedia

Por terra, a túnica em pedaços,
agonizando a Pátria está.
Ó Mocidade, oiço os teus passos!...
Beija-a na fronte, ergue-a nos braços,
não morrerá!
(Guerra Junqueiro, in Finis Patríae, 1891)

O estudante é uma esperança. Consubstancia em si o futuro. Os desiludidos confiam nas escolas como os antigos reis magos confiavam na sua estrela. In Magalhães Lima, O jornal dos estudantes, “Liberdade” de 31 de Janeiro de 1901.

«Uma sociedade, uma classe, um grupo, quando se detêm em pensamento reflexivo, tendem a problematizar-se em três vectores diacrónicos. Feito o balanço das jornadas idas e questionado o tempo corrente, volve-se o olhar para mais além e traçam-se os contornos do porvir. Correlativamente, avaliam-se as forças juvenis que se vão enfileirando para a passagem do testemunho. Épocas há em que esta preocupação se torna obsidiante. Épocas de crise.
Exemplifiquemos: o apelo ao dinamismo arrebatador das novas camadas geracionais irrompe com flagrância na prática discursiva republicana após 1890, salientando-se uma acentuada visão épico-messiânica da mocidade não uma qualquer mocidade, mas, em particular, a mocidade das escolas, um quase culto da juventude indomável e sábia, caritativa e magnânima. Junqueiro exaltou-a, de modo paradigmático, nesse Finis Patríae de que quase sempre só retemos a toada decadentista e funebremente pessimista das estrofes iniciais. Magalhães Lima santificou-a, metamorfoseando jovens escolares em cruzados de novas Jerusaléns. À boa maneira positivista, os estudantes envergam a capa de heróis virtuosos, detentores do fogo sagrado da ciência, pedras basilares da consecução do progresso. Na tradição da gesta romântica de 1848, a academia compadece-se com a miséria dos desprotegidos da sorte, tranquilizando-os com a sua mensagem de esperança:
  • [...] enquanto houver um académico para mendigar pelas portas e um jornal para clamar justiça, haveis de nos encontrar ao vosso lado com toda a força da nossa mocidade e toda a simpatia das nossas crenças.
Enquanto houver um jornal para clamar justiça... Na estratégia republicana para a tomada do poder não foi descurado o papel dos organismos propagandísticos, no intuito, louvável, de tornar comum a uma cada vez maior parcela da sociedade os princípios doutrinários do republicanismo e da democracia liberal. Também neste sector específico foi atribuído um relevo enfático ao contributo que os estudantes poderiam tributar à causa da revolução. A apetência destes para se vincularem a uma política anti-conservadora vinha sendo estimulada por factores endógenos e exógenos de já longa data. Reportando-se à década de 60, Eça de Queirós, em texto memorativo de Antero de Quental, inventariou para a posteridade um razoável acervo de elementos capazes de perturbar o mais abúlico dos seres:
  • Cada manhã trazia a sua revelação, como um Sol que fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico, e Proudhon; e Hugo tornado profeta e justiceiro dos reis; e Balzac, com o seu mundo perverso e lânguido; e Goethe, vasto como o universo; e Poe, e Heine, e creio já que Darwin, e quantos outros!
Mas não só as novas teorias políticas, os diferentes ideais ético-filosóficos, as renovadoras conquistas científicas, as audazes propostas de um romantismo em mutação, vieram convulsionar os espíritos. Em 1871, a Comuna de Paris, em 1873, a República em Espanha. Duas experiências fugazes, duas marcas indeléveis. José Falcão faz circular um opúsculo em glória dos communards suscitando a emergência de núcleos republicanos; em Coimbra festeja-se ruidosamente a queda da monarquia vizinha, solidarizando-se com o acontecimento alguns membros do corpo docente da Universidade, como, por exemplo, Manuel Emídio Garcia, Mendonça Cortês e Rodrigues de Brito, significativas excepções num meio consabidamente esclerosado e avesso à agitação das suas estruturas. Porque, e aqui depara-se-nos um dos tais factores de raiz endógena, a Universidade era, com efeito, uma grande escola de revolução, um modelo miniatural do burocratismo, servilismo e mediocridade em que se plasmava o quotidiano português». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983


Cortesia de Análise Social/JDACT