segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Conferências. Do 28 de Janeiro de 1908 ao 5 de Outubro de 1910. «À medida que se iam conhecendo os pormenores do escândalo, as quantias envolvidas, as datas e a cadência dos créditos, os nomes dos ministros e dos primeiros-ministros, os partidos, os membros da família real que faziam uso dessas verbas, agigantava-se a dimensão do escândalo. O rei mentira porque as suas dívidas continuavam por liquidar»


Cortesia de wikipedia

Conferência proferida na Biblioteca Museu República e Resistência.
«A primeira vez que o Directório do Partido Republicano Português assumiu a direcção política de um movimento revolucionário para depor a monarquia, fê-lo marcando-o, primeiro para o dia 17 de Janeiro de 1908, data que acabaria por ser empurrada para 28 do mesmo mês. Essa atitude marca uma mudança na prática política do partido que sempre defendera a via eleitoral para a implantação da república. Mas a vida política alterara-se profundamente nos últimos meses e a monarquia golpeara-se no seu interior deixando ruir as suas instituições fundamentais. A Carta Constitucional de 1826:
  • estava suspensa na maioria do seu articulado;
  • o Parlamento estava encerrado por ordem do monarca desde Abril último, sem que tivessem sido marcadas novas eleições;
  • o Governo exercia funções em ditadura;
  • os principais partidos do regime, o regenerador e o progressista estavam afastados da área do poder;
  • a liberdade de imprensa fora restringida pela legislação da ditadura e o rei dependia de João Franco.
O regime estava bloqueado e o Directório do Partido Republicano sentia que podia dar corpo à alteração de regime para que apontavam os seus princípios, a república. A última vez que no seu seio se discutira a via de a alcançar, fora no rescaldo do Ultimatum, por volta de 1896, ou 1897, quando uma nova geração de republicanos começa a despontar nos seus quadros de primeira linha. Uns, mais impacientes propunham-se dinamizar formas organizativas semelhantes às dos carbonari que tinham triunfado em Itália, durante o Risorgimento, e garantido a independência e unificação do país, fundariam a Maçonaria Académica, ou Floresta que mais tarde assumiria designação de Carbonária Portuguesa, feita para alcançar a república, sempre sob a superior direcção do Partido. A maioria, contudo, acreditava que a razão da sua causa acabaria por chegar à nação e ser reconhecida nas urnas, seria a via eleitoral a fazer triunfar o projecto republicano.
Os anos seguintes, porém, viriam defraudar as expectativas de ambos os grupos. O partido transformara-se num partido de regime, disputava os actos eleitorais como um pequeno partido, que tinha 4 deputados em 1892, apenas 2 em 1894, sem qualquer deputado em 1895 e 1897, voltava a eleger 3 deputados em 1899, mas já não elegeria nenhum em 1900, 1901, 1904 e 1905. Quanto aos que tinham enveredado pela formação da Carbonária Portuguesa para a criação de milícias civis que pudessem ser a base armada de uma revolução republicana, definhavam nas sucessivas Altas Vendas, das quais dependiam alguns carbonários sem grandes convicções de algum dia poderem ser úteis à república.
Mas em 1906, dá-se um acontecimento que viria a ser decisivo no projecto republicano. O Partido Republicano lograra eleger 4 deputados nesse ano e, com a ajuda de alguns jornais republicanos, como O Mundo de França Borges e A Vanguarda de Magalhães Lima, iriam dar uma maior dimensão aos casos postos em relevo pelos seus deputados. E o maior de todos eles, aquele que rapidamente viria a ter foros de escândalo nacional, foi a questão dos adiantamentos à Casa Real.
O tema foi suscitado pelo deputado da Dissidência Progressista António Centeno que questionou João Franco sobre o montante dos créditos concedidos à Casa Real, questão que obteve a sua confirmação, assim como também se confirmava que essa prática, sendo ilegal, comprometia os governos anteriores e que os seus responsáveis vinham, continuadamente, a omitir essa prática aos órgãos da nação. Todavia, João Franco propunha-se sanear a situação existente com a aprovação de novas regras na contabilidade pública, anexas ao Orçamento para 1906-07, cuja aprovação pedia à Câmara.
Era um presente envenenado que oferecia ao rei Carlos I e aos partidos Regenerador e Progressista que dele e do seu novel Partido Liberal ficariam reféns. Incomodados com as revelações, os deputados desses partidos ficaram em silêncio e o próprio monarca que, por esses dias presidiu a uma cerimónia na Sociedade de Geografia, quando confrontado com os adiantamentos, afirmou que a sua dívida já tinha sido liquidada.
Restavam os deputados da Dissidência Progressista que levantaram a questão e os deputados republicanos que a exploraram, num debate longo e incisivo nas Cortes que se prolongou nos jornais sob o signo de grande escândalo. À medida que se iam conhecendo os pormenores do escândalo, as quantias envolvidas, as datas e a cadência dos créditos, os nomes dos ministros e dos primeiros-ministros, os partidos, os membros da família real que faziam uso dessas verbas, agigantava-se a dimensão do escândalo de proporções nunca vistas nem imaginadas. Era verdade que o rei mentira porque as suas dívidas continuavam por liquidar e, por entre as palavras arrastadas que João Franco ia proferindo, parecendo medir com prudência o valor de cada uma delas, numa intervenção feita em nome do mais puro rigor na defesa mais intransigente das instituições monárquicas, era visível o cinismo de uma intenção que significava, precisamente o contrário. De um só golpe, lançava a lama mais abjecta sobre os partidos do regime, desacreditava-os a ambos e ficava com o rei dependente da sua clemência. O regime iria ser ele». In Francisco Carromeu, Conferências na Biblioteca Museu República e Resistência, do 28 de Janeiro de 1908 ao 5 de Outubro de 1910, Lisboa, 29 de Janeiro de 2008.

Cortesia do MR e Resistência/JDACT