segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Das Memórias de José Relvas. Descrição da tomada de posse do ministério das Finanças. «… a segurança do excelente efeito produzido pelo anúncio da possibilidade da minha nomeação, e ao mesmo tempo a certeza do apoio que encontraria em todos para realizar a minha difícil missão. Só então se tornou definitiva a minha aquiescência, que comuniquei a Afonso Costa»


Cortesia de wikipedia

Descrição da tomada de posse de José Relvas do ministério das Finanças, no dia 12 de Outubro de 1910
«Cargo que assumiu em substituição de Basílio Teles, que tendo sido a primeira escolha do Partido Republicano para ocupar a pasta, após a Revolução de 5 de Outubro de 1910 e a implantação da República, nunca assumiu as funções para que tinha sido escolhido.

«Insistiu energicamente nas razões da minha escolha e, secundado por Bernardino Machado, obrigou-me a tomar um compromisso condicional, a que não era estranho o conhecimento das dificuldades que bem podiam surgir com a interinidade do Ministério. Disse-lhe que me rendia a essas razões, mas que só daria por firme o compromisso depois de pensar algumas horas e fazer o que eu chamei o meu exame de consciência. Na verdade a minha intenção foi, desde a primeira hora, tornar a aquiescência dependente do modo como o meu nome fosse recebido pelos Bancos e casas bancárias de Lisboa. Não sabia ainda bem como faria a consulta, e nisso vinha pensando ao transpor a porta do Ministério, onde encontrei Baltasar Cabral, ao tempo director do Banco Ultramarino. Comuniquei-lhe o que acabava de me ser dito pelos dois ministros, sendo bem manifesto o seu decidido e favorável acolhimento. Nem entrou no gabinete do ministro, dizendo-me que falaria imediatamente com os seus colegas e sondaria as disposições de outros elementos financeiros, convocando-me para depois duma reunião que ia promover nessa mesma tarde, prometendo a mais leal informação do que se passasse.
Nada disse a qualquer dos meus mais íntimos amigos pessoais ou políticos. Até à segunda entrevista com Afonso Costa, tudo ignoraram João Chagas, Brito Camacho, José Barbosa, Inocêncio Camacho e os oficiais de marinha Ladislau Parreira, Carlos da Maia e Sousa Dias, com os quais mais privava e com quem havia um contacto quase permanente. Minha mulher e meu filho também nada sabiam. É este um facto importante para contrariar, só por si, a malévola interpretação que Teófilo Braga veio a dar aos acontecimentos desse dia, naquelas célebres entrevistas, que concedeu a Magalhães Colaço, colaborador do jornal O Dia.
Às três horas da tarde fui ao Banco Ultramarino a convite de Baltasar Cabral e ali encontrei reunidos os directores dessa casa, que me deram, numa recepção revestida de aspecto solene, a segurança do excelente efeito produzido pelo anúncio da possibilidade da minha nomeação, e ao mesmo tempo a certeza do apoio que encontraria em todos para realizar a minha difícil missão. Só então se tornou definitiva a minha aquiescência, que comuniquei a Afonso Costa.

E também só depois dessa comunicação foram informados os meus amigos, que acolheram bem a notícia. À noite realizava-se, no Ministério da Guerra, o Conselho de Ministros em que Afonso Costa e Bernardino Machado dariam conta da combinação projectada e seria lavrado o decreto de nomeação. Prolongou-se bastante o Conselho, nunca tendo sido possível saber-se o que ocorreu. Num dos gabinetes contíguos estavam João Chagas, Inocêncio Camacho, José Barbosa, João de Meneses, e outros velhos republicanos, já informados e desejando ser os primeiros a receberem a confirmação oficial da notícia. Foi Afonso Costa o primeiro-ministro que apareceu, dirigindo-se apressadamente para a porta de saída sem nos dizer uma palavra. Era já motivo para grande estranheza. Interroguei-o para saber que decisão se tinha tomado. Respondeu com evasivas que feriram logo o meu legítimo orgulho. Pressenti que alguma coisa se passara e me colocava em ridícula situação. João de Meneses ouvira as rápidas palavras que tínhamos trocado, e, assaltado dos mesmos receios, como depois me confessou, por não ter a menor confiança em Bernardino e Costa, sentiu que se projectava qualquer acto ofensivo, que nenhum dos presentes suportaria. Todos se levantaram, ouvindo João de Meneses e José Barbosa exigir que se reunisse de novo o Conselho para explicações, que eu, e todos julgávamos imprescindíveis. Por fim os ministros já estavam fora da sala onde se realizara o Conselho, mas de novo reuniram, ouvindo a exposição de tudo o que se passara durante o dia, não esquecendo de frisar a situação que me era criada por um facto tão imprevisto, e que eu de modo algum provocara, antes submetendo-me ao que se chamara uma imposição de patriotismo. António Luís Gomes dizia mais tarde que não compreendia o que aquilo significara, não lhe permitindo a sua incorrigível ingenuidade medir a capacidade de intriga de que eram susceptíveis, e em que sempre se revelaram superiores, Bernardino Machado e Afonso Costa.
É certo que, para mim mesmo, foi sempre um mistério a ordem de razões que determinara a sua atitude na noite de 11, tendo sido eles, e só eles, que deliberaram o convite que me foi feito, agravando ainda a sua situação a insistência e o apelo aos meus sentimentos patrióticos, à minha dedicação pela República e à lembrança de alguns serviços, para me demoverem da recusa! A ofensa que eu sentira, a solidariedade das pessoas que naquele momento exigiam que se efectivasse um compromisso, de que só os dois ministros eram autores e responsáveis, levaram-me a manter a promessa, não sendo também estranho a essa resolução o efeito pessoal, que resultaria da desistência depois do acto realizado no Banco Ultramarino. Calmada a agitação das primeiras horas, passadas sobre esse deplorável incidente, a minha vontade foi resignar o posto de ministro, tendo já recebido do Conselho a necessária satisfação. Mas o reflexo desse acto não podia ser pior para as Instituições recém-nascidas, e foi esta suprema razão que me obrigou a renunciar a um gesto que todos consideraram perigoso.
Insisti muito desenvolvidamente na história desse dia, que marca o início das hostilidades que haviam de afirmar-se sucessivamente, desde os incidentes do inquérito à Casa da Moeda, dos ataques do jornal O Mundo e das agressões do 2 de Agosto de 1911, até à minha saída da Legação de Madrid, porque era indispensável, perante as vilanias inventadas por Teófilo Braga, deixar bem clara a minha atitude, os motivos que me determinaram, e as razões porque, bem contra minha vontade, modifiquei a decisão de não exercer cargo algum público».

In Portugal - Dicionário Histórico, Páginas Pessoais, Wikipédia.

continua
Cortesia de Wikipédia/JDACT