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Descrição da tomada de posse de
José Relvas do ministério das Finanças, no dia 12 de Outubro de 1910
«Cargo que
assumiu em substituição de Basílio Teles, que tendo sido a primeira escolha do Partido
Republicano para ocupar a pasta, após a Revolução de 5 de Outubro de 1910
e a implantação da República, nunca assumiu as funções para que tinha
sido escolhido.
«Insistiu energicamente nas razões da minha
escolha e, secundado por Bernardino
Machado, obrigou-me a tomar um compromisso condicional, a que não era
estranho o conhecimento das dificuldades que bem podiam surgir com a
interinidade do Ministério. Disse-lhe que me rendia a essas razões, mas que só
daria por firme o compromisso depois de pensar algumas horas e fazer o que eu
chamei o meu exame de consciência. Na verdade a minha intenção foi,
desde a primeira hora, tornar a aquiescência dependente do modo como o meu nome
fosse recebido pelos Bancos e casas bancárias de Lisboa. Não sabia ainda bem
como faria a consulta, e nisso vinha pensando ao transpor a porta do
Ministério, onde encontrei Baltasar Cabral, ao tempo director do Banco
Ultramarino. Comuniquei-lhe o que acabava de me ser dito pelos dois ministros,
sendo bem manifesto o seu decidido e favorável acolhimento. Nem entrou no
gabinete do ministro, dizendo-me que falaria imediatamente com os seus colegas
e sondaria as disposições de outros elementos financeiros, convocando-me para
depois duma reunião que ia promover nessa mesma tarde, prometendo a mais leal
informação do que se passasse.
Nada disse a qualquer dos meus mais
íntimos amigos pessoais ou políticos. Até à segunda entrevista com Afonso Costa, tudo ignoraram João
Chagas, Brito Camacho, José Barbosa, Inocêncio Camacho
e os oficiais de marinha Ladislau Parreira, Carlos da Maia e Sousa
Dias, com os quais mais privava e com quem havia um contacto quase
permanente. Minha mulher e meu filho
também nada sabiam. É este um facto importante para contrariar, só por si,
a malévola interpretação que Teófilo
Braga veio a dar aos acontecimentos desse dia, naquelas célebres
entrevistas, que concedeu a Magalhães
Colaço, colaborador do jornal O Dia.
Às três horas da tarde
fui ao Banco Ultramarino a convite de Baltasar Cabral e ali encontrei
reunidos os directores dessa casa, que me deram, numa recepção revestida de
aspecto solene, a segurança do excelente efeito produzido pelo anúncio da
possibilidade da minha nomeação, e ao mesmo tempo a certeza do apoio que
encontraria em todos para realizar a
minha difícil missão. Só então se
tornou definitiva a minha aquiescência, que comuniquei a Afonso Costa.
E também só depois dessa
comunicação foram informados os meus amigos, que acolheram bem a notícia. À
noite realizava-se, no Ministério da Guerra, o Conselho de Ministros em que Afonso Costa e Bernardino Machado
dariam conta da combinação projectada e seria lavrado o decreto de nomeação.
Prolongou-se bastante o Conselho, nunca tendo sido possível saber-se o que
ocorreu. Num dos gabinetes contíguos estavam João Chagas, Inocêncio Camacho,
José Barbosa, João de Meneses, e outros velhos republicanos, já informados
e desejando ser os primeiros a receberem a confirmação oficial da notícia. Foi Afonso Costa o primeiro-ministro que apareceu, dirigindo-se apressadamente para a
porta de saída sem nos dizer uma palavra. Era já motivo para grande estranheza. Interroguei-o para saber
que decisão se tinha tomado. Respondeu com evasivas que feriram logo o meu
legítimo orgulho. Pressenti que alguma coisa se passara e me colocava em
ridícula situação. João de Meneses ouvira as rápidas palavras que
tínhamos trocado, e, assaltado dos mesmos receios, como depois me confessou,
por não ter a menor confiança em Bernardino e Costa, sentiu que se projectava
qualquer acto ofensivo, que nenhum dos presentes suportaria. Todos se
levantaram, ouvindo João de Meneses e José Barbosa exigir que se reunisse de
novo o Conselho para explicações, que eu,
e todos julgávamos imprescindíveis. Por fim os ministros já estavam fora da
sala onde se realizara o Conselho, mas de novo reuniram, ouvindo a exposição de
tudo o que se passara durante o dia, não esquecendo de frisar a situação que me
era criada por um facto tão imprevisto, e que eu de modo algum provocara, antes
submetendo-me ao que se chamara uma imposição de patriotismo. António Luís
Gomes dizia mais tarde que não compreendia o que aquilo significara, não lhe
permitindo a sua incorrigível ingenuidade medir a capacidade de intriga de que
eram susceptíveis, e em que sempre se revelaram superiores, Bernardino Machado e Afonso Costa.
É
certo que, para mim mesmo, foi sempre um mistério a ordem de razões que
determinara a sua atitude na noite de 11,
tendo sido eles, e só eles, que deliberaram o convite que me foi feito,
agravando ainda a sua situação a insistência e o apelo aos meus sentimentos
patrióticos, à minha dedicação pela
República e à lembrança de alguns serviços, para me demoverem da recusa! A
ofensa que eu sentira, a solidariedade das pessoas que naquele momento exigiam
que se efectivasse um compromisso, de que só os dois ministros eram autores e
responsáveis, levaram-me a manter a promessa, não sendo também estranho a essa
resolução o efeito pessoal, que resultaria da desistência depois do acto
realizado no Banco Ultramarino. Calmada a agitação das primeiras horas,
passadas sobre esse deplorável incidente, a minha vontade foi resignar o posto
de ministro, tendo já recebido do Conselho a necessária satisfação. Mas o
reflexo desse acto não podia ser pior para as Instituições recém-nascidas, e
foi esta suprema razão que me obrigou a renunciar a um gesto que todos
consideraram perigoso.
Insisti muito desenvolvidamente na
história desse dia, que marca o início das hostilidades que haviam de
afirmar-se sucessivamente, desde os incidentes do inquérito à Casa da Moeda,
dos ataques do jornal O Mundo e das agressões do 2 de
Agosto de 1911, até à minha saída da
Legação de Madrid, porque era indispensável, perante as vilanias inventadas por Teófilo Braga, deixar bem clara a minha
atitude, os motivos que me determinaram, e
as razões porque, bem contra minha vontade, modifiquei a decisão de não exercer
cargo algum público».
In
Portugal - Dicionário Histórico,
Páginas Pessoais, Wikipédia.
continua
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