Leão e Andaluz
Leão
«Na viragem do século XI para o século XII sente-se
uma fractura na história do Extremo Ocidente: a direcção da sociedade que se
pulverizara nas mãos da aristocracia terratenente quebra-se aqui e ali, surgindo de baixo centros de Poder novos. E pela fissura aberta
desenvolvem-se as classes médias que bloqueiam a dicotomia até aí essencial
senhor-servo. No Andaluz que constituía, a ocidente, o eixo do desenvolvimento
económico-social, talvez a fractura se devesse colocar no século X quando os
hispano-mulçulmanos em rebelião puseram em perigo o Estado omíada, ou então na
primeira metade do século XI quando o território se constelou de pequenos
Estados independentes. Durante os séculos XI e XII, o Andaluz constituía ainda
o foco civilizacional, alcançando a escrita literária, filosófica e de raiz
científica o momento mais alto do seu desenvolvimento. No entanto, os
movimentos revolucionários de Córdova de 1009 a 1031, com a queda da
dinastia omíada e a fragmentação política e militar dos reinos de taifas, vão
aguçar o apetite dos vizinhos cristãos ante a farta presa que se patenteava.
Islamitas
e moçárabes
Islamitas e moçárabes, os cristãos do Islão,
instilaram durante séculos e mesmo agora sangue novo no Estado leonês. Recordemos
com Menéndez Pidal alguns eventos significativos. Zamora, um dos padrastos da
Reconquista, será edificada em 893 por
moçárabes e a expensas de um rico moçárabe de Toledo. Alguns dos principais mosteiros
dos séculos X e XI são restaurados pela imigração moçárabe, Sahagun em 904, São Miguel de Escalada em 913, São Zoil de Carrion em 1060. Nas vésperas da conquista da velha
capital visigótica (1085), um moçárabe
escreve dentro dos seus muros a Crónica Pseudo-Isiodoriana. A Crónica
Silense, redigida em Leão por volta de 1115, deve-se com toda a probabilidade à pena de um moçárabe
toledano. Na reconquista de praças-fortes como Coimbra, São Martinho de Mouros,
Toledo, Santarém (1095), temos de
contar também com o levantamento da sua população moçárabe. E já com as armas
da cruz cravadas nas suas muralhas, não é a moçárabe Toledo que os condes Raimundo e Henrique cobiçam, mesmo pela força das armas?
Por outro lado, o conde Sancho Garcia de Castela, o dos
bons foros, o vencedor da Batalha de Cantija (1012) a soldo dos berberes que expugnavam Córdova, não se deslocava
usando tendas de viagem, almofadas e vestido à mulçumana? Pedro I de
Navarra e Aragão (1094-1104), amigo
de Cid, assinava em caracteres arábicos. Mercadores do Andaluz, mouros ou
judeus, entonteciam a aristocracia de Leão nos séculos X e XI com produtos
orientais e bizantinos, com cavalos, mulas, armas, tapetes, vasos, panos, leitos
argênteos e outras bruxarias.
E aqui mesmo, no Garbe do Andaluz, não é Sisnando
de Tentúgal, o moçárabe que acelera a entrega de Coimbra e dos territórios
Entre-Douro-e-Mondego? O primeiro bispo da cidade e Paterno, ex-bispo da
muçulmana Tortosa, no oriente de Espanha. E a Coimbra chega de Além-Mouros o
abade Pedro, repovoador da Figueira da Foz. Lorvão, Vacariça, Grijó, Sever
mosteiros moçárabes, permanecem, um século depois da Reconquista, como os principais
cenóbios ocidentais.
Cluniacenses
e almorávidas
No último quartel do século XI, imigrantes franco-cluniacenses-romanos
alcançam alguns dos cargos principais do Estado castelhano-leonês, avivando,
contra uma prática de convivência religiosa e de concessões sociais, uma
política de cruzada que se acompanha de um coser mais cerce das instituições
feudais». In António Borges Coelho, Comunas ou Concelhos, Editorial Caminho,
colecção Universitária, Lisboa, 1986.
Cortesia de Caminho/JDACT