O Sebastianismo Contemporâneo de
D. Sebastião
Diogo de Teive (1513? - 1566?)
«Um tal sebastianismo desenhou-se desde logo nas Regras para a Educação de El-Rei
D. Sebastião, escritas em latim por Diogo de Teive, lente de humanidades e mais tarde reitor do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra,
ainda no tempo de João III, e vertidas para o português por Francisco de
Andrade, cronista-mor do reino. Não se acuse, pois, o jesuíta Luís
Gonçalves Câmara, preceptor do príncipe, como levianamente se tem feito,
das ideias expansionistas do futuro rei. Como aponta Sampaio Bruno,
citando Manuel Bento Sousa, tais ideias tinham o consenso nacional; era
o que o país pensava. Ora, por que razão havia ele, o preceptor, de ter
uma opinião diferente e devia ensinar ao rei de Portugal o contrário do que o
país pensava? Observe-se, por exemplo, o incitamento de Teive,
principiando pela invocação:
Se o tempo antigo teve por ditoso
ao magnanimo Achilles, porque teve
hum tão alto Escriptor das suas obras.
Quando se deve ter por mais ditoso.
Quem em verso empregar nos grandes feitos,
que do grão Rei Sebastião se esperarão,
se de Apollo alcançar tanto que possa
fazer o Canto egual a tal sujeito.
Concluindo com a referência directa à vantagem das conquistas
africanas:
Agora aquelle Rei, que por milagre
nos foi dado, fará com seu esforço,
que os termos da espaçosa larga India
se acabem lá onde o Mundo os seus acaba.
A isto ajuntará com gloriosas
vitorias a infiel terra Africana,
do nome Lusitano unica imiga,
fertil de mantimentos, e abundante,
para que delles possa Lusitania
encher os seus celeiros largamente,
e assim a seus naturaes alcançar possa
com grande louvor seu grandes proveitos.
Pero d’Andrade Caminha (1520? - 1589)
Outro intelectual de alta estirpe, Pero d'Andrade Caminha, tendo
conhecido as Regras... de Diogo de Teive,
aplaude-as deste modo:
Dás-lhe para isto exemplos, e doctrina,
com que toda a virtude se levante;
para nós a elle, e a nós para elle ensinas.
C’o estas lembranças de teu peito dinas,
farás que o amemos mais, e qu'elle avante
de todos os Reis ponha as santas Quinas.
António Ferreira (l528 - 1569)
Mais eloquente ainda é o grande Poeta e dramaturgo António Ferreira,
na sua Carta a El-Rei D. Sebastião onde começa por augurar ao príncipe
um futuro radioso e por homenagear as Regras de Diogo de Teive:
Tu serás Sol, e norte, e luz, e guia
ao Mundo que mais claro já, parece;
mas em quanto a manhã bem não esclarece,
aparta Teive a nuvem que a cobria.
Escrevendo ainda:
Rey bemaventurado, em que parece
aquella alta esperança já comprida
de quanto o Ceo, e a terra te oferece.
Formosa planta de Deus concedida
a lagrymas d’Amor, e lealdade,
rey bemaventurado, em que parece
só nosso bem, vida da nossa vida.
Em quanto essa innocente e branda idade
por Deus crescendo vai felicemente
té o mundo encher de nova claridade.
Em quanto este teu povo, e o d'Oriente
novo accrescentamento por ti esperam
d'outros Reys, d'outra terra, d'outra gente.
Taes promessas os Ceos de ti nos deram
no teu tam milagroso nascimento,
espirito igual em ti nellas puzeram,
Eu levado d'amor de sancto intento
(quem ant'essa brandura temeria?)
Deter-te com meu verso hum pouco tento.
Depois virá um tam ditoso dia,
que as tuas Reaes Quinas despregadas
na multidão de toda a Barbaria.
As victoriosas frotas carregadas
das cativas coroas, e bandeiras,
d'outro sprito mayor sejam cantadas.
Se o rei Sebastião era, ainda na infância, tão aclamado e incitado, não
o foi menos na juventude, ao aproximarem-se a maioridade e a hora da decisão. E
ninguém foi tão longe como Luís de Camões...» In António Quadros, Poesia e
Filosofia do Mito Sebastianista, Guimarães Editores, Colecção Filosofia e
Ensaios, Lisboa, 1983.
continua
Cortesia de Guimarães Editores/JDACT