«A infanta Isabel da Casa de Avis inaugura os notáveis
casamentos de princesas portuguesas no período que vai do século XV à primeira
parte do século XVI. Portugal ocupava então na Europa um lugar primordial entre
os outros reinos. Logo que o rei João I, depois de se associar à casa inglesa
dos Lencastre e ter começado a instalar-se nas costas de África, casa a sua
única filha com o grão-duque do Ocidente, a bela Leonor, filha do rei Duarte I,
fica noiva em 1451 de Frederico III,
imperador da Alemanha, e a princesa Isabel, filha de Manuel I, desposaria, em 1525, o mais poderoso soberano da
Europa, o imperador Carlos V. Em seguida, a nobreza portuguesa, que caíra sob a
alçada dos jesuítas, submete-se à realeza espanhola e não retomará alento senão
depois de 1640. O impulso trazido
por estes casamentos afortunados à prosperidade nacional é indiscutível,
dependendo estreitamente do brilho destas estrelas da família real o progresso
do reino, qual rubi pousado sobre as façanhas dos navegadores.
Enquanto as proezas dos seus irmãos, que o poeta dos poetas, Camões, havia qualificado de Ínclita
Geração, ascendiam à ordem do mítico, a jovem infanta ficava silenciosamente
na sombra. Os escritos em português que lhe concernem são raros, superficiais,
e, em francês, o renome do duque Filipe de Borgonha e o de seu filho Carlos, o Temerário, abafavam a figura, que na
verdade começava a destacar-se, da duquesa
Isabel. A imagem divulgada pelos escritores portugueses corresponde
mais a uma princesa de opereta ou a uma visionária mística do que à forte personalidade
transmitida posteriormente pelos documentos estudados, que nos fizeram
descobrir uma aristocrata implicada de corpo e alma na administração dos
estados do ducado, tanto em tempo de paz como em tempo de guerra.
Durante os primeiros decénios após a chegada de Isabel à Flandres, o duque sentia necessidade de cimentar o seu
poder, em plena guerra dos Cem Anos, no meio da disputa bélica entre os
ingleses e os reis de França, estes últimos então fortemente debilitados.
Depois que o filho Carlos ficou em condições de assumir a governação, Isabel abandonou a vida da corte para
se entregar ao seu sonho espiritual e humanitário direccionado para o povo
carente, sobretudo as mulheres. A par da evoluída espiritualidade, e também
pelo acolhimento dado a letrados e artistas, apercebemo-nos da predominância,
no seu círculo, de uma exigência intelectual acentuada, à qual aflorava o balbuciar
do humanismo. Paralelamente à guerra conduzida por valentes cavaleiros, estando
então próximo o fim dos seus alardes guerreiros, impôs-se o cunho de um código
de submissão das cidades por vezes à custa das mais selvagens represálias.
As relações de Portugal com a Flandres remontam à formação do país;
cavaleiros, cruzados flamengos, participaram na tomada de Lisboa, 1147 e de Silves, 1189. Desde então várias uniões matrimoniais se teceram:
- a infanta Teresa, filha de Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, casa-se com o conde de Flandres,
- Filipe de Alsácia, e Fernando, filho de Sancho I, com a duquesa de Flandres.
Por outro lado, os flamengos povoaram terras virgens da Reconquista
portuguesa, ao mesmo tempo que as trocas comerciais portuguesas com os portos
da Flandres se acentuam, em particular no reinado de Dinis I, 1293. Depois de 1387,os mercadores e mestres de navios portugueses obtêm dos condes
de Flandres um salvo-conduto que lhes abre as portas do comércio com as cidades
de Gand, Bruges e Ypres, onde são transaccionados produtos, sobretudo tecidos,
equipamentos para cavalaria e objectos em ferro, vindos também do interior da
Europa. Bruges torna-se, no princípio do século XV, um entreposto de mercadores
portugueses, reconhecidos por decreto como nação, podendo assim defender
juridicamente os seus interesses nesses negócios.
A expedição organizada pelos portugueses, em 1415, a Ceuta, contava nas suas fileiras com um corpo de
combatentes flamengos dirigido pelos irmãos Capella, aparentemente com o acordo
do duque João Sem Medo. Filipe, o Bom,
confirmou as regalias atribuídas aos mercadores e marinheiros portugueses que
trabalhavam com a Flandres. Em 1425,
o duque de Coimbra, infante Pedro, no decurso da sua viagem pela Europa,
detém-se longamente na corte de Filipe, o
Bom. Envia então ao seu irmão Duarte a célebre Carta de Bruges, contendo
as sugestões que permitiriam renovar a administração e impulsionar o progresso
do país.
A beleza e as qualidades de
Isabel
Procurando desenhar os contornos de espírito da infanta Isabel, o conde de Sabugosa acreditou ver no prazer que ela
punha a ocupar-se de um casal de cisnes, que tinham sido introduzidos nos lagos
dos jardins do palácio de Sintra, uma alma orgulhosa e combativa. Comparando-a
aos irmãos, ele detecta igualmente nela um pendor poético aliado a uma
imaginação cavalheiresca e romanesca, temperada por uma abertura subjacente ao
intelectualismo humanista, que parecia dominar a corte. Os livros da biblioteca
do rei Duarte I, seu irmão, que haviam pertencido a todos os infantes,
testemunhavam-no». In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions
Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração
da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa,
2010, ISBN 978-972-23-4374-9.
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