(continuação)
O Tempo e o Movimento
«O Portugal de 1870 está longe de ser um país com os vícios da revolução industrial. Através de Sebastião José soubéramos, como já o soubéramos através dos mercadores judeus, e dos emigrantes cristãos dos descobrimentos, o que fora o mercantilismo, mas acerca da revolução industrial nunca soubéramos algo de peso. País pequeno, cabisbaixo para as sementeiras que florescem da terra, as grandezas que possuía, e onde com tempo se podia chegar de barco, não tinha aí indústria a fazer. A colonização dessas grandezas não servia para extrair do ventre da terra, mas apenas para complementar, com espaço agrícola e mercantil, a estreiteza das veigas e das locandas peninsulares. Quando se diz que Portugal é um país pobre devia explicar-se:
Quem consultar uma gravura, mostrando o Rossio de 1870, verá uma cena de aldeia, umas lavadeiras, para os lados do Rossio, e uns carros de bois, cá mais para o Jardim Público. Ao cimo do qual se iniciavam as hortas da Pedreira, continuadas pelas do Campo Grande, Campolide e Lumiar, Carriche abaixo, até por toda a parte, de norte a sul. Também por isso, mau grado os esforços dos senhores economistas da Academia, que, nos saraus culturais, se batiam uns contra os outros, mercantilistas, industrialistas e fisiocratas, o país não precisava, de uma teoria fisiocrática. Ela estava em vigor, tanto nos Saloios como no Marão.
Houve, porém, gente despaisada, desenraizada, sem noção de horta nem de quintal, sem visão de herdade nem de curral, e que de fábricas sabia zero, que se pôs a congeminar, do dado de cima do Rossio, para os lados do Carmo, um país português como se na revolução industrial estivesse inserido, e já sofresse os efeitos do capitalismo opressor, do sindicalismo destruidor e do proletarismo invejoso. Um acto de surrealismo metia o país real no saco, e projectava um país ideal de chaminés poluentes, de moles proletárias marchando, engolidas pelos complexos fabris, das demonstrações do folclore sindical, da ilusão do proteccionismo de seita, elaborado em estrutura de partido.
Era o complexo da civilização cosmopolita, o desejo da cidade, o abandono da terra e, sendo possível, a sua destruição. Mil vezes preferível andar de camisa limpa e de barriga vazia na cidade, do que viver sujo, embora de barriga cheia, na aldeia. O ano de 1870 serviu muito bem os interesses urbanos. Deu força aos sem-terra, aos da cidade, aos proletários, aos cosmopolitas, aos burocratas, ao aparelho que, sem filosofia substante, recolhe, através do tributo compulsivo, as taxas, segundo as quais protege o que vai gastando». In Pinharanda Gomes, A Teologia de Leonardo Coimbra, Guimarães Editores, Colecção Filosofia e Ensaios, Lisboa, 1985.
O Tempo e o Movimento
«O Portugal de 1870 está longe de ser um país com os vícios da revolução industrial. Através de Sebastião José soubéramos, como já o soubéramos através dos mercadores judeus, e dos emigrantes cristãos dos descobrimentos, o que fora o mercantilismo, mas acerca da revolução industrial nunca soubéramos algo de peso. País pequeno, cabisbaixo para as sementeiras que florescem da terra, as grandezas que possuía, e onde com tempo se podia chegar de barco, não tinha aí indústria a fazer. A colonização dessas grandezas não servia para extrair do ventre da terra, mas apenas para complementar, com espaço agrícola e mercantil, a estreiteza das veigas e das locandas peninsulares. Quando se diz que Portugal é um país pobre devia explicar-se:
- é pobre, porque não é industrial, por isso, nunca será rico, mas também nunca correrá o risco de ser pobre, porque já é pobre.
- Este país é rico, porque tem petróleo, ou carvão, ou ferro. Um dia, depois do ciclo extractivo, se dirá. - Este país era rico, porque tinha petróleo, ou carvão, ou ferro.
Quem consultar uma gravura, mostrando o Rossio de 1870, verá uma cena de aldeia, umas lavadeiras, para os lados do Rossio, e uns carros de bois, cá mais para o Jardim Público. Ao cimo do qual se iniciavam as hortas da Pedreira, continuadas pelas do Campo Grande, Campolide e Lumiar, Carriche abaixo, até por toda a parte, de norte a sul. Também por isso, mau grado os esforços dos senhores economistas da Academia, que, nos saraus culturais, se batiam uns contra os outros, mercantilistas, industrialistas e fisiocratas, o país não precisava, de uma teoria fisiocrática. Ela estava em vigor, tanto nos Saloios como no Marão.
Houve, porém, gente despaisada, desenraizada, sem noção de horta nem de quintal, sem visão de herdade nem de curral, e que de fábricas sabia zero, que se pôs a congeminar, do dado de cima do Rossio, para os lados do Carmo, um país português como se na revolução industrial estivesse inserido, e já sofresse os efeitos do capitalismo opressor, do sindicalismo destruidor e do proletarismo invejoso. Um acto de surrealismo metia o país real no saco, e projectava um país ideal de chaminés poluentes, de moles proletárias marchando, engolidas pelos complexos fabris, das demonstrações do folclore sindical, da ilusão do proteccionismo de seita, elaborado em estrutura de partido.
Era o complexo da civilização cosmopolita, o desejo da cidade, o abandono da terra e, sendo possível, a sua destruição. Mil vezes preferível andar de camisa limpa e de barriga vazia na cidade, do que viver sujo, embora de barriga cheia, na aldeia. O ano de 1870 serviu muito bem os interesses urbanos. Deu força aos sem-terra, aos da cidade, aos proletários, aos cosmopolitas, aos burocratas, ao aparelho que, sem filosofia substante, recolhe, através do tributo compulsivo, as taxas, segundo as quais protege o que vai gastando». In Pinharanda Gomes, A Teologia de Leonardo Coimbra, Guimarães Editores, Colecção Filosofia e Ensaios, Lisboa, 1985.
Cortesia de Guimarães Edt./JDACT