sábado, 23 de fevereiro de 2013

Exposição. 360º Ciência Descoberta. FCG. «… não se trata de mais uma exposição sobre os Descobrimentos portugueses, mas sim de uma exposição que pretende revelar os contributos científicos dos Portugueses e Espanhóis nos séculos XV e XVI, durante o período das grandes navegações oceânicas»


Cortesia da fcg e jdact

«Uma história por contar No dia 2 de Março abre ao público a exposição 360º Ciência Descoberta que quer mostrar uma página muito mal conhecida da história da ciência, na qual Portugueses e Espanhóis surgem como precursores da ciência moderna do século XVII. O curador, Henrique Leitão, diz que os fenómenos que a exposição pretende mostrar prendem-se precisamente com o modo surpreendente como Portugueses e Espanhóis lidaram com a novidade e a incorporaram. Depois da exposição As Idades do Mar, dedicada à pintura europeia e visitada por mais de 50 mil pessoas, a sala de exposições da Sede vai acolher uma mostra sobre a ciência no tempo dos Descobrimentos, onde o mar continua a estar presente já não como fonte de inspiração de artistas, mas nas rotas dos navegadores portugueses e espanhóis dos séculos XV e XVI ao encontro do Novo Mundo. Intitulada 360º Ciência Descoberta, esta exposição pretende fazer luz sobre uma página muito mal conhecida da história da ciência, na qual Portugueses e Espanhóis surgem como precursores da ciência moderna do século XVII. Segundo o curador, Henrique Leitão, investigador do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, nunca descobrimos o tom certo para contar esta história, onde não há génios como Copérnico, Galileu ou Kepler, mas há um modo fascinante de acumular e gerir o conhecimento, que se tornou caso único na Europa. Nesta entrevista, Henrique Leitão adianta o que se poderá ver na exposição que abre portas a 2 de Março, na Galeria de Exposições Temporárias da Fundação. Qual é o principal foco da exposição? Queria começar por sublinhar que não se trata de mais uma exposição sobre os Descobrimentos portugueses, mas sim de uma exposição que pretende revelar os contributos científicos dos Portugueses e Espanhóis nos séculos XV e XVI, durante o período das grandes navegações oceânicas, mostrando o impacto que tiveram no eclodir da ciência moderna. É um convite a um novo olhar sobre a nossa História, revelando aspectos desconhecidos do nosso passado científico e lançando luz sobre uma série de fenómenos notáveis associados às viagens empreendidas pelos povos ibéricos e que estiveram na base da modernidade científica.

[…]
De que modo esse conhecimento era sistematizado? De um modo verdadeiramente notável. Portugal e Espanha criaram aquelas que foram possivelmente as primeiras instituições de gestão do saber na Europa:
  • a Casa de la Contratación, em Espanha, e os Armazéns da Índia, em Portugal.
A primeira obrigação destas instituições prendiase com a logística administrativa e militar das viagens marítimas, mas começaram também a acolher e a organizar as novas informações que iam chegando. Por exemplo, as muitas novas plantas recolhidas eram observadas e as suas propriedades curativas, por exemplo, – eram analisadas e sujeitas a validação por médicos nacionais. Estas instituições passaram então a responsabilizar-se pela gestão deste saber e até pela atribuição de preços aos produtos que seriam postos à venda. Um dos campos em que esta dinâmica se fez sentir mais foi, como se calcula, a Cartografia. Como se fazia a actualização dos mapas? Existia um mapa-padrão que era o modelo de todos os outros e que ia incorporando os resultados das observações que se iam fazendo no decorrer das viagens. Este mapa estava permanentemente a ser actualizado pelos cartógrafos dessas instituições ibéricas. A exposição apresenta, aliás, uma versão animada da transformação do mundo, através de uma mapa que vai lentamente mudando de forma, adquirindo os contornos testemunhados pelos viajantes ibéricos, até atingir a forma que hoje conhecemos.
E como se geria a restante informação que ia chegando? Houve, nos dois países, um esforço de sistematização do conhecimento acumulado, gerido pela Coroa, que tratou de implementar uma estrutura normativa, através de decretos e regulamentos. Em cada viagem, os pilotos eram instruídos sobre um conjunto muito preciso de observações que deviam levar a cabo e que incluía informações sobre latitude, declinação magnética, correntes marítimas, fauna e flora, etc. Essa informação era depois entregue ao cosmógrafo-mor, que garantia a organização deste novo saber. Um saber que era transmitido pelos marinheiros…


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Os Portugueses e os Espanhóis conseguiram habilitar muitas centenas de homens de um nível baixo da sociedade para este trabalho, naquilo que foi um fenómeno nunca antes visto de transferência de conhecimentos técnicos para os estratos pouco instruídos da população. E como era dada essa formação? Na altura existiam poucos astrónomos ou matemáticos competentes e, portanto, eram escassas as pessoas capazes de fazer as medições e os cálculos matemáticos. De repente, foi preciso formar uma imensa quantidade de pessoas com um conjunto mínimo de competências técnicas e científicas. Isto obrigou à criação de espaços de formação fora das universidades, levando ao surgimento, pela primeira vez na Europa, de escolas técnico-científicas e ao aparecimento de profissionais intermédios entre o mundo universitário e o da artesania. Outra consequência foi o grande incremento do vernáculo como língua técnica. Tudo isto são fenómenos da maior importância para o surgimento da ciência moderna. Que repercussão teve tudo isto na Europa? A Europa estava, na altura, de olhos postos na Península Ibérica; muitos observadores, para não lhes chamar espiões, deslocavam-se aos principais centros para recolher informação, que depois atravessava fronteiras e circulava com muita rapidez. No século XVII, as grandes potências marítimas olhavam para Portugal e Espanha como o exemplo a seguir a vários níveis. Não eram só os mapas que eram copiados, também as técnicas e o tipo de ensino técnico que se ministrava, a estrutura das instituições. Há muitos textos que o comprovam. Por que razão esta história não é contada? Sobretudo por uma razão simples: até há cerca de 50 anos, a história da ciência era centrada nos grandes vultos: Copérnico, Galileu, Kepler, Newton. Pulávamos de génio em génio e como nenhum deles era ibérico, Portugal e Espanha ficavam literalmente fora. Quando os historiadores de ciência começaram a duvidar deste tipo de narrativa heróica e começaram a alargar o horizonte de análise, incorporando outros actores, as práticas, as instituições, os objectos, etc., o contributo ibérico impôs-se de forma inequívoca. Vários especialistas começaram a reconhecer a acção precursora dos Portugueses e dos Espanhóis, devolvendo-lhes o protagonismo esquecido pela narrativa histórica.
Que peças serão mostradas? Serão mostradas algumas peças inéditas que nunca foram vistas em Portugal e que constituem marcos, pelo seu carácter científico, técnico ou simbólico, ilustrando com eloquência este período de ouro do empreendedorismo ibérico. Entre elas, contam-se manuscritos, mapas, instrumentos, livros e produtos naturais. Daria talvez destaque a alguns dos mapas magníficos que serão expostos. De Itália, virá o único manuscrito que existe de Pedro Nunes, o grande matemático português, e que nunca foi exposto no nosso país. Em exposição estará também o primeiro globo que existiu na China, do princípio do século XVII, e que tem a particularidade de mostrar pela primeira vez naquele continente, a forma esférica da Terra. E que figuras serão destacadas? Esta exposição não procura heróis. Claro que fará referência a nomes conhecidos como Pedro Nunes ou Garcia de Orta, mas centra-se sobretudo no esforço comum que envolveu pilotos, cosmógrafos, matemáticos, naturalistas e muitos outros, esforço ignorado por uma historiografia internacional focada nos génios da ciência, e por uma historiografia nacional dada a extremos, oscilando entre triunfalismos e derrotismos. Uma parede repleta de nomes homenageia cerca de três centenas de pessoas que deram o seu contributo, e que são apenas uma pequena parte de uma multidão que viveu um extraordinário período da História, heróis anónimos de uma página que a História da Ciência saltou e a quem esta exposição pretende fazer justiça. Deixem-nos agora contar a nossa História». In FCG, Henrique Leitão, Newsletter Gulbenkian Fevereiro de 2013.

Cortesia de FCG/JDACT