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Estrada
de Roma para Pescara. Itália. 1453
«Os
cinco viajantes a cavalo na estrada esburacada para Pescara faziam toda a gente
virar a cabeça e olhar: a mulher que lhes levava cerveja aguada na estalagem à beira
da via; o rapaz que se arrastava da escola para ir trabalhar na vinha de seu pai.
Todos sorriam perante a radiância do casal na dianteira da pequena comitiva, pois
eram belos, jovens e, como era bom de ver, estavam enamorados. Mas onde te parece
que isto vai terminar, não me dirás?, perguntou Freize a Ishraq, a fazer que sim
com a cabeça para Luca e Isolde, enquanto cavalgavam na estrada direita como um
fuso que corria para leste na direcção da costa do Adriático. Estava um tempo de
Outono dourado e, embora os buracos fundos da estrada de terra batida fossem
intransitáveis no Inverno, agora passava-se bem, os cavalos eram robustos e os viajantes
avançavam a bom ritmo rumo à costa. Freize, um jovem de cara quadrada e sorriso
pronto, poucos anos mais velho do que o seu amo, Luca, não esperou por resposta
de Ishraq. Ele está completamente caidinho por ela, continuou, e, se tivesse vivido
no mundo e conhecido uma rapariga antes, já saberia ficar de sobreaviso. Mas é uma
criança magricela saída do mosteiro, e deve pensar que ela é um anjo descido à Terra.
Ela é loura e bela como qualquer fresco numa capela. Há-de terminar tudo em
lágrimas, ela deixá-lo-á destroçado. Ishraq hesitou em retorquir. Estava com os
olhos escuros fixos nas duas figuras à frente deles. Porque é que partes do princípio
de que será ele a sair magoado? E se for ele a deixá-la a ela destroçada?, perguntou
Ishraq. Eu nunca vi Isolde desta maneira com nenhum outro rapaz. Ele é também o
seu primeiro amor. Por mais que ela tenha sido educada para ser a senhora do
castelo, não havia visitas de cavaleiros, não apareciam trovadores a cantar o amor.
Não penses que foi como numa balada, com damas e cavaleiros e rosas lançadas de
uma janela com grades; ela foi criada com grande rigor. O pai ensinou-a a ser a
senhora do castelo e contava que ela governasse as terras dele. Mas o irmão roubou
tudo e ela foi enfiada num convento. Estes dias na estrada são a primeira hipótese
que ela tem de ser livre no mundo real, e a minha também. Não admira que esteja
tão feliz. Seja como for, parece-me maravilhoso que o primeiro homem que ela conheça
seja o Luca. Ele tem mais ou menos a nossa idade, é o homem mais bem-parecido que
nós, quer dizer, que ela já conheceu; ele é bondoso, verdadeiramente encantador
e não consegue tirar os olhos de cima dela. Que rapariga não ficaria enamorada
dele à primeira vista? Há outro jovem bem-parecido que ela vê todos os dias, sugeriu
Freize. Prático, bondoso, com jeito para os animais, forte, disposto, útil..., e
bem-parecido. Quer dizer: creio que a maioria das pessoas o acharia bem-parecido.
Outras até diriam que é irresistível.
Ishraq
adorava não pegar nas deixas dele, e olhou para aquela cara sorridente e para aqueles
olhos azuis sinceros. Referes-te ao irmão Peter? Ela olhou para trás deles, para
o clérigo mais velho que os seguia com o jumento pela arreata. Oh, não, ele é demasiado
sério para ela, e nem sequer gosta dela. Na sua opinião, nós duas só vamos servir
para vos distrair da vossa missão. Pois é verdade! Freize desistiu de arreliar Ishraq
e voltou ao que o preocupava. Luca foi encarregado pelo próprio papa de tomar o
pulso aos últimos tempos do mundo. Se o dia do juízo é para ser amanhã ou no dia
seguinte, como todos parecem pensar, ele não deveria passar os últimos momentos
na terra aos risinhos com uma antiga freira. Pois eu creio que ele não poderia
fazer melhor, disse Ishraq categoricamente. Éum jovem bem-parecido, a desbravar
caminho no mundo, e a Isolde é uma rapariga belíssima que acabou de fugir ao domínio
da família e às ordens dos homens. Que melhor maneira de passar os últimos tempos
do mundo, senão a enamorarem-se? Pois tu só pensas assim porque não és cristã, és
uma espécie de pagã, retorquiu Freize, a apontar para as pantalonas dela por
baixo da capa esvoaçante e para as sandálias nos pés nus. E não tens noção alguma
da importância que nós temos. Ele tem de informar o papa de todos os sinais de como
o mundo vai acabar, de todas as manifestações de mal no mundo. Ele é jovem, mas
já é membro de uma ordem importantíssima. Uma ordem secreta, uma ordem papal secreta.
Ela fez que sim com a cabeça. - Costuma faltar-me realmente a noção da suma
importância dos homens. Tens razão em mo censurar». In Philippa Gregory, Filhas da
Tempestade, 2013, Topseller, 20/20 Edotora, 2015, ISBN 978-989-849-173-2.
Cortesia
de Topseller/20/20E/JDACT