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«Num
tão alto lugar, de tanto preço,
este
meu pensamento posto vejoque desfalece nele inda o desejo,
vendo quanto por mim o desmereço.
Quando
esta tal baixeza em mim conheço,
acho
que cuidar nele é grão despejo,e que morrer por ele me é sobejo
e mor bem para mim do que mereço.
O
mais que natural merecimento
de quem
me causa um mal tão duro e forteo faz que vá crescendo de hora em hora.
Mas eu
não deixarei meu pensamento,
porque,
inda que este mal me cause a morte,un bel morirwir tutta la vita onora».
Transforma-se
o amador na cousa amada,
por virtude
do muito imaginar;não tenho logo mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela
está minha alma transformada,
que mais
deseja o corpo de alcançar?Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma está liada.
Mas esta
linda e pura semideia,
que,
como o acidente em seu sujeito,assim como a alma minha se conforma,
está
no pensamento como ideia;
e o
vivo e puro amor de que sou feito,como a matéria simples busca a forma.
Sonetos de Camões, in “Poesia”
«A qual,
logo aquele dia
que
soube de seus amores,aos parentes de Maria
fez certos e sabedores
de tudo quanto sabia.
Crisfal não era então
dos bens do mundo abastado
tanto como do cuidado;
que, por curar da paixão,
não curava do seu gado.
E como
em a baixeza
do sangue
qu’é pensamentoé certa esta certeza,
cuidar que o merecimento
está só em ter riqueza,
inquiriram que teriam
e do amor não curaram;
em que bem se descontaram,
riquezas, se faleciam,
por males que sobejaram.
Então,
descontentes disto,
levaram-na
a longes terrasesconderam-na entre umas serras,
onde o sol não era visto
e a Crisfal deixaram guerras.
Além da dor principal,
para mor pena lhe dar,
puseram-na em lugar
mau para dizer seu mal,
mas bom para o chorar.
Ali os
dias passava
em mágoas,
da alma saídas,dizer a quem longe estava,
e chorava por perdidas
as horas que não chorava.
Em vale mui solitário e
sombrio e saudoso,
send’o monte temeroso
para o choro necessário
para a vida mui danoso.
[…]
Poema de Cristóvão Falcão, in “Crisfal”
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