quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Os Banqueiros de Deus. Gerald Posner. «O vaticano vendeu terra suficiente a preços elevados para permitir aos italianos construir quinze estádios e concluir as obras no Aeroporto Internacional Leonardo da Vinci em Fiumicino»

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«(…) Ninguém além de Tisserant parecia demasiado preocupado com a destruição por Pascalina de milhares de páginas de documentos pessoais de Pio. Ao invés, todos se voltavam para Roncalli. Não é papa nenhum, disse o desbocado Spellman a alguns colegas quando regressava de Nova Iorque. Devia vender bananas. Spellman não conseguiu ver em Roncalli o talento necessário para ser um grande soberano. O cardeal de Nova Iorque e outros tradicionalistas acreditavam que os católicos comuns desejavam um papado régio. O pontificado de Pio coincidiu com o zénite desse poder absoluto. Roncalli poria fim à maior parte das marcas do papado imperial, acabando com elementos como a coroação de cinco horas e a exigência de que os católicos ajoelhassem diante de si e de que os seus auxiliares guardassem silêncio na sua presença. Os que apreciavam a nova simplicidade referiam-se à mudança dramática de estilo como desestalinização do Vaticano. Mas um Nobre Negro ecoou a opinião daqueles que consideravam que as reformas retiravam dignidade ao cargo. Parece que o papa tenta introduzir na Igreja um pouco da democracia que se tem revelado tão desastrosa em toda a parte. O cardeal Siri de Génova, o principal candidato tradicionalista no conclave, e Spellman também se mostravam preocupados por verem que o aprazível Roncalli não partilhava a sua paixão de combatentes na Guerra Fria. A CIA tinha as mesmas preocupações, concluindo que o papa João era politicamente ingénuo e indevidamente influenciado pelo punhado de clérigos liberais com quem se mantinha em contacto próximo. O novo papa acreditava que a Igreja deveria manter-se distante da política secular. Foi uma mudança dramática depois de Pio XII ter desempenhado um papel crucial nas eleições italianas de 1948, permitindo à Acção Católica a mobilização de votos e chegando mesmo a ocupar-se pessoalmente de iniciativas como o transporte em autocarro de freiras no dia da votação, dos conventos até às mesas de voto. João XXIII, ao invés, afastou a Igreja da sua parceria íntima com os democratas-cristãos. O novo pontífice não via o comunismo como uma ameaça mortal. Spellman e Siri recearam que um papel passivo da Igreja criasse uma oportunidade para o aumento do poder da esquerda. Mas, antes de haver alguma oportunidade de testar as credenciais de João XXIII como combatente na Guerra Fria, a 15 de Novembro, meros onze dias após a coroação, Bernardino Nogara morreu de colapso cardíaco aos oitenta e oito anos de idade. A notícia do seu falecimento acabou por se perder no rescaldo da eleição de um novo papa, merecendo apenas algumas linhas num punhado de jornais. Mas a morte de Nogara acabou por ser um momento fulcral para Maillardoz, Spada e Mennini, que tinham passado a gerir as finanças da Igreja segundo o modelo que criara. Mostraram-se apreensivos com a eleição de Roncalli. A especulação grassava acerca da possibilidade de o novo papa nomear apoiantes leais para posições de relevo, não ajudava que, quando questionado sobre o número de pessoas que trabalhavam na Cúria, o novo papa tivesse respondido: cerca de metade.
Apenas três meses após tomar posse, João XXIII chocou o mundo ao convocar o segundo Concílio Vaticano nos dois mil anos de História da Igreja. Todos os seus cardeais, prelados e dois mil e quinhentos bispos tiveram de rumar a Roma para participar em discussões amplas acerca da possível mudança de tudo, incluindo a liturgia, a forma de selecção dos bispos e a redução do poder da Cúria. Mesmo que não começasse até ao ano seguinte, confirmou o receio de Spellman, Siri e outros de que o aprazível João fosse, no mínimo, imprevisível. Mas, para alívio de Maillardoz, Spada e Mennini, o novo papa não interferiu com o IOR nem com a Administração Especial. Os vaticanologistas interpretaram a elevação de di Jorio a cardeal como apoio da sua gestão do IOR. Até os sobrinhos de Pio mantiveram os seus postos. Em contraste profundo com Pio, o papa João não tinha reputação de pretender gerir a instituição a que presidia até aos mais ínfimos pormenores. Durante o tempo que passou como cardeal de Veneza, tornou-se conhecido como um supervisor calmo e descontraído que sentia aversão pela administração, permitindo que assistentes capazes se ocupassem da burocracia da diocese. Não se sentia confortável com finanças ou até discutindo dinheiro. Maillardoz, Spada e Mennini estavam por sua conta.
Um dos primeiros passos que deram foi o reforço das reservas do IOR aproveitando a necessidade de terras do governo italiano para organizar os Jogos Olímpicos de 1960. venderam algumas das propriedades romanas da Igreja ao Comité Olímpico Italiano. A Igreja detinha mais de novecentos e quarenta milhões de hectares de propriedade à volta de Roma, tornando-a não só o maior proprietário de terras depois do governo, mas também o único Estado soberano do planeta cujo território era mais amplo fora das suas fronteiras. O vaticano vendeu terra suficiente a preços elevados para permitir aos italianos construir quinze estádios e concluir as obras no Aeroporto Internacional Leonardo da Vinci em Fiumicino. A esquerda política criticou os preços demasiados elevados. Por isso, quando o governo precisou de mais terra para construir a Autoestrada Olímpica que ligaria os complexos desportivos distantes, o Vaticano voltou a lucrar, usando dessa vez uma empresa de fachada para providenciar as propriedades necessárias. Mas os sucessores de Nogara não tinham ilusões. Perceberam que os ganhos volumosos com os preparativos frenéticos dos Jogos Olímpicos eram um evento isolado. Teriam de aplicar os princípios de Nogara acerca da acumulação regular de lucros através de investimentos cautelosos. Acolheram a crença de Bernardino de que o futuro das finanças do Vaticano residia nos homens de confiança. Essa decisão levaria a criação bem-sucedida de Nogara ao limiar da ruína, maculando durante o processo o próprio Vaticano». In Gerald Posner, Os Banqueiros de Deus, 2015, Editora Self-Desenvolvimento Pessoal, 2015, ISBN 978-989-878-155-0.

Cortesia de Self/JDACT