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A
minha casa está assombrada
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Carlos Lucas, da Associação de Divulgadores do Espiritismo em Portugal, garante
que a maioria das referências a casas assombradas são, na verdade, relatos de
fenómenos espíritas, ou seja, interferências do mundo espiritual no mundo
corpóreo. O espírita português, de 47 anos, militar da Força Aérea, defende ainda
que todos podemos sentir manifestações de fantasmas em qualquer momento: todos nós
somos médiuns, ou seja, possuímos uma percepção extrassensorial, em maior ou
menor escala, o chamado sexto sentido. Este é um sentido que vai além dos cinco
tradicionais, e que permite captar o estado vibracional do mundo espiritual, como
ouvir vozes de pessoas que vivem no mundo espiritual, ver caras ou pessoas falecidas,
escrever ou falar em transe. Recordo-me das cartas do escritor Fernando Pessoa à
sua tia Anica, em que ele escrevia: esta mediunidade que me atormenta e me faz
levantar a altas horas da madrugada e escrever contra a minha vontade. Tal frase
faz pensar se os seus heterónimos seriam espíritos de escritores que através dele
materializavam a sua escrita, afirma, acrescentando que quem testemunha assombrações
geralmente desconhece que tem capacidade mediúnica.
Quem
não aceita qualquer uma destas teorias é o padre católico António Fontes, que há
27 anos impulsiona o Congresso de Medicina Popular de Vilar de Perdizes, em
Montalegre, onde curiosamente vive numa casa à qual o povo atribuiu diversas assombrações.
Começando por esclarecer que a Igreja Católica não aceita tais teorias, reconhece
que muitos são os fiéis que recorrem à Igreja para resolver alegados problemas com
almas do outro mundo. Quando isso acontece, explicamos que tudo não passa de
uma ilusão. A pessoa viu mas na realidade não estava lá, era apenas produto da
sua imaginação. Não pratico rezas, nem exorcismo, apesar de já mos terem
requisitado. Eu próprio moro numa casa dita assombrada... Nunca lá vi nada de estranho.
São vozes de boatos do povo. Que, pelos vistos, não chegam aos céus.
A ciência,
livre dos dogmas, não disfarça o seu cepticismo sobre uma questão que já levou ordas
de cientistas de várias áreas disciplinares ao terreno para testar a veracidade
das crenças sobre locais assombrados. Invariavelmente, concluíram que
presenciar fantasmas é uma consequência das próprias limitações perceptivas do
homem. As percepções têm quase sempre explicações banais: por exemplo, as mudanças
de pressão atmosférica podem fazer portas bater. As luzes de um carro reflectidas
através de uma janela ou espelho facilmente criam, vultos e sombras que se deslocam.
A pareidolia, um tipo de apofenia que consiste num fenómeno psicológico que resulta
de um estimulo vago e aleatório que é percebido como algo significativo, é outras
das explicações possíveis apontadas pelos cientistas, enquanto à sensibilidade
da visão periférica do homem pode resultar nuns quantos falsos fantasmas mirados
pelo canto do olho.
Investigadores
como Michael Persinger, da canadiana Laurentian University, concluíram que as mudanças
nos campos geomagnéticos (provocadas pela pressão do núcleo terrestre ou actividade
solar) também podem estimular os lobos temporais do cérebro e produzir muitas das
experiências associadas a fantasmas. A ciência defende ainda que as ondas
sonoras de baixa frequência podem fazer os seres humanos experimentar sensações
de incómodo como calafrios, pânico e a sensação de estar a ser vigiado. O único
problema são aqueles que já as sentiram na pele, como os protagonistas dos relatos
que se seguem, pois para eles não há ciência, religião ou equívoco que justifique
tamanho arrepio... Uma vida inteira sem grandes preocupações, vivida na
placidez do campo e isenta de correrias e alaridos, admite que se contem pelos dedos
de uma mão as vezes que dona Ana passou uma noite em vigília. E quando isso aconteceu
foi quase sempre por causa dos filhos, aos quais embalou febres, prantos e dores
nos tempos idos da infância. Mas agora que eles já tinham seguido com a sua vida,
longe da casa e do regaço materno, dona Ana não conhecia sequer o significado da
palavra insónia. Por isso, ainda mais estranho foi quando, certa noite, sem que
houvesse razão que o justificasse, a sexagenária acordou sobressaltada, com um pesadelo.
Meio ensonada, olhou para as sombras do quarto e, ainda sob o efeito dormente
do sono, viu um rato, coisa que na verdade até nem seria de estranhar numa casa
que já não era propriamente nova e rodeada de campos cheios de batata, milho e trigo,
verdadeiras iguarias para o apetite voraz dos roedores. Só que Ana, pelos vistos,
não gostava de ratos, muito menos dentro de casa e à beira da sua cama». In
Vanessa Fidalgo, Histórias de um Portugal Assombrado, 2012, A Esfera dos
Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-371-3.
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