segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Histórias de um Portugal Assombrado. Vanessa Fidalgo. «Felismina era ainda uma menina quando foi viver para aquela casa. Aquela que todos diziam ser a casa dos medos, apesar de ser uma pequena e humilde casa algarvia»

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A minha casa está assombrada
«(…) Ansiosa, abanou vigorosamente o marido, obrigando-o a acordar. José, agricultor humilde e bonacheirão de uma aldeia próxima de Cabeceiras de Basto, é que não estava para conversas àquela hora da madrugada. Deu meia-volta na cama, ajeitou a almofada e disse-lhe para continuar a dormir. Dorme mulher. Não é nada! Palavras vãs, pois Ana continuava assustada, como se uma torrente de ansiedade e temor tivesse tomado conta do seu corpo e da sua mente e fosse agora impossível de conter. Abriu muito os olhos, tentando focar melhor na escuridão e então pareceu-lhe que o rato tinha voltado, mas desta vez com o dobro do tamanho! Ainda por cima, começou a crescer, a crescer, depressa ocupando todo o quarto. A mulher amedrontada voltou a insistir com o marido, que desta vez se zangou. O Zé acorda, olha este rato enorme e está a crescer, disse quase desabando num pranto. José nem sequer lhe respondeu, pois talvez já tivesse embalado novamente no sono. Ana acabou por tapar a cabeça, concentrou-se nas suas orações com todas as forças que tinha e que não tinha e, mesmo sobressaltada, lá acabou por adormecer. Na manhã seguinte, o assunto veio à mesa juntamente com o pequeno-almoço. Ana insistia na sua visão, o marido impacientava-se e estalou a discussão, não daquelas feias que apartam os sentimentos e magoam os corações, mas das rezingonas, que levam as pessoas a proferir frases como lá estás tu outra vez ou tu nunca me ouves em vez de olharem de frente para um problema que, diga-se em abono da verdade era totalmente novo. Todo o dia não lhe saiu a ideia da cabeça a ela e, de vez em quando, insistia com o marido. Ao serão, antes de se deitar, manifestou medo, mas José escolheu não ligar. No entanto, lá no fundo do seu coração, que já há tanto tempo amava aquela mulher, estava a ficar algo preocupado com ela. E o bom homem tinha, de facto, razões para isso. Nessa mesma noite, Ana voltou a encontrar um rato no seu leito. A certa altura, contaria ela depois à parapsicóloga Maria Luísa Albuquerque, que o rato era quase do tamanho do quarto e começou abater insistentemente com a pata na madeira rugosa da cama. Acordou o marido outra vez aos safanões, mas sem sequer dar por isso, tal era o pânico que se apoderara do seu peito. E dessa vez, ele não viu
nada mas ouviu as tais pancadas e começou então a partilhar do susto da mulher, fazendo finalmente jus à promessa que há mais de trinta anos lhe fizera de a acompanhar nos bons e nos maus momentos. Depois da renitência inicial, agora era José quem precisava de resolver o problema que era coisa do diabo, do outro mundo ou fosse lá o que fosse, mas que queria bem longe da sua casa. E assim que se decidiu, meteu-se ao caminho para ir falar com o padre da paróquia, pedindo-lhe que lhe benzesse a casa. O padre franziu o sobrolho à demanda, mas lá anuiu ao pedido.
Só que apesar de todas as rezas, velas e promessas que dona Ana fez aos santinhos de que era mais devota, o rato teimava em aparecer e até mesmo para o marido José, que já andava tão ou mais assustado do que a mulher. Aconselharam-nos a consultar uma parapsicóloga. Alguns dias depois, Ana e José fizeram-se ao caminho e só pararam no consultório de Maria Luísa Albuquerque, no Porto. Era uma tarde morna de Primavera, o consultório estava cheio, mas vendo que o pobre casal continuava num estado de grande excitação e ansiedade, Maria Albuquerque optou por começar a aplicar algumas técnicas de relaxamento na mulher, numa pequena salinha interior no consultório que serve precisamente tais propósitos. De repente, ouve-se na parede ao lado do divã onde a paciente estava deitada, um enorme estrondo, como se um potente chicote tivesse acabado de estalar contra a parede. O ruído não passou sequer despercebido a quem aguardava na sala de espera, e até a especialista se assustou, dando um salto na cadeira, pois não esperava tal manifestação daquilo que na sua opinião não se trata de uma assombração mas sim de uma manifestação da energia mental de Ana, que acabou por contagiar o marido pelo seu poder de sugestão. Ana, que nada entendia dessas ciências, voltou-se para a parapsicóloga e disse-lhe com um ar surpreendentemente calmo: creio que desta ele foi-se embora. Agora já acredita em mim?

A casa do medo I
Felismina era ainda uma menina quando foi viver para aquela casa. Aquela que todos diziam ser a casa dos medos, apesar de ser uma pequena e humilde casa algarvia, térrea e pequena, pintada de branco e com um pequeno quintal. Uma casa parecida com todas as outras em que Felismina já tinha morado na aldeia de Marim, porque a mãe gostava de mudar de casa, exceptuando talvez na má fama que corria de boca em boca». In Vanessa Fidalgo, Histórias de um Portugal Assombrado, 2012, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-371-3.

Cortesia de EdosLivros/JDACT