jdact
«Um espaço
de nada
Por íntima
deslocação do sujeito
para
espaços de outrem
nascem
as catástrofes humanas
e as
maravilhosas aventuras
entre
catástrofe e aventura
um espaço
de nada
um nada
de tempo
variações
de ser»
Primeiro
andamento
«Como
ensinar português a crianças que têm vergonha de ser portuguesas? Como lhes retirar
essa vergonha se ela é simultaneamente incutida pela sociedade francesa, onde
nasceram e crescem, e pela sociedade portuguesa, que visitam e escutam através de
familiares, amigos, conhecidos e desconhecidos? Exagero, dirão muitos. Ou
equaciono a questão pelo seu lado mais negativo. A maioria das crianças
portuguesas ou lusodescendentes que vivem em França não terá, ou já não terá, vergonha
de suas origens portuguesas, diz-se. Mesmo quando a auto-estima é baixa, e os
resultados escolares fracos. As crianças já ouvem falar de Portugal, ou já o conhecem,
de uma outra forma, diz-se. É muito possível. Mas, chegada a Paris em 1997,
para dirigir os serviços da Coordenação do Ensino de Português, rapidamente me dei
conta, como acontece com todos os que para aqui vêm trabalhar, da imagem
negativa de Portugal vigente nestas paragens gaulesas. Uma imagem cujo conteúdo
é ainda predominantemente fornecido pelos estereotipos construídos com base na emigração
maciça dos anos sessenta e setenta, sem nenhuma actualização posterior: país inteiramente
rural, de pobreza e resignação extremas, do qual as pessoas têm que fugir para conseguir
padrões de vida menos terceiro-mundistas.
É evidente
que atrás desta imagem estão duas razões que, a merecer a vergonha de alguém,
não seria certamente a das crianças portuguesas (ou lusodescendentes): o
tradicional chauvinismo francês, com a correspondente tendência para ignorar tudo
o que se passa fora da França, e a tendência geral de todos os grupos humanos
para a formação de estereotipos sobre outros grupos humanos. Mas na imagem de Portugal
que os franceses re-transmitem são também reconhecíveis os traços dessa imagem que
foi delineada e exportada pela ideologia da ditadura salazarista, a ruralidade,
a pobreza contentinha, a humildade, o fado imagem que até hoje perdura porque nós,
portugueses, ainda não produzimos nenhuma outra sobre nós próprios. Esta última
afirmação pode parecer injusta, e inexacta. Tem havido, ao longo dos últimos dez
ou quinze anos. um esforço de divulgação da cultura portuguesa no estrangeiro, em
particular da literatura. Esse esforço deu já alguns frutos. Paradoxalmente, ou
sintomaticamente, só aos franceses tenho ouvido louvar a política portuguesa de
divulgação cultural. Porque, evidentemente há franceses que conhecem a literatura,
a história, a cultura portuguesas. Há cátedras de português em França,
pesquisadores e especialistas. Mas, obviamente, todos estes sabedores, na maioria
académicos, alguns outros jornalistas ou pessoas de intensa curiosidade, são
uma minoria praticamente invisível no meio dos sessenta milhões de franceses, e
os artigos ou livros que eles escrevem uma gota de água no oceano de palavras
editadas em França. E, obviamente também, os esforços feitos para a divulgação da
cultura portuguesa têm sido fragmentados (ressalvando algumas perspectivas mais
globais, recentes e ainda episódicas) e, frequentemente, com tendências
redutoras e passadistas.
Fragmentados
porque não há ainda uma política comum aos diferentes organismos que
representam ou apresentam Portugal no estrangeiro, muito menos a consciência da
necessidade duma imagem global. Trabalham os organismos económicos e turísticos
para um lado, os que assinam acordos internacionais em áreas educacionais,
científicas e tecnológicas para outro, os culturais para um terceiro. Os culturais
tendem a reduzir a cultura aos seus aspectos mais clássicos (em particular a literatura,
como referi; e algum cinema. Nos últimos anos acrescentem-se alguns ciclos de conferências
ou exposições sobre aspectos históricos e sociais, sobre arquitectura e, timidamente,
um ou outro pintor ou músico. Por estas vias ainda estreitas os coloco entre aspas.
O design em geral e o design de moda em particular, por exemplo, ainda
não saíram da zona comercial do ICEP, ainda não foram promovidos a cultura o que
é uma segunda forma de fragmentação, a qual produz, enfim. uma ausência de lugar
onde se possa inserir e divulgar a cultura portuguesa actual na sua totalidade.
Forma de fragmentação, e forma de passadismo também: damos de nós uma imagem antiquada
com esta apresentação predominantemente clássica da nossa cultura». In Maria
Isabel Barreno, Um Imaginário Europeu, Editorial Caminho, 2000, ISBN
978-972-211-365-8.
Cortesia de
ECaminho/JDACT