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A
mestiça. Madrid. 1780
«(…)
Aproximou-se Águeda que, depois de esperar dois beijos no ar junto às faces de
Frasquita, se dirigiu a Sebastián: há muito que não te via, e ainda menos num teatro...
Ao reparar no gesto de contrariedade da amiga, mudou de rumo e perguntou: onde é
que tens estado? Nos montes de Torrero. Pertencem ao termo de Saragoça, elucidou
Frasquita. Não sei se pertencem é a palavra adequada, observou Sebastián.
Torrero está mesmo em cima da cidade, é como a sua acrópole. E o que fazias lá?
Traçava os planos e os perfis para o Canal Imperial de Aragão. O que isso tem de
bom para os engenheiros militares é que viajam muito e os vemos sempre frescos,
com boas cores. É verdade que tu sempre foste bronzeado de pele... A propósito,
porquê tanta agitação com esta estreia? Só sei que apresentam uma adaptação de uma
comédia de Tirso de Molina, a que deram o título de O Nó Górdio, respondeu
Frasquita. Águeda despediu-se e foi ao encontro de outro grupinho. Frasquita tirou
um frasquinho de opalina, agitou-o, perfumou-se e só depois se aproximou do seu
cavalheiro. Acho-te um pouco ausente. Estou bem, só um pouco preocupado. Por
voltares aqui, não é? Isso bastaria. Ainda por cima tenho de falar com o Cañizares,
o director da companhia de comédias. O meu pai deu-me uma mensagem para lhe entregar
em mão própria. Então vai. Eu espero por ti.
A apreensão
de Sebastián aumentou ao ver entre a assistência o marquês de Montilla, observando
com um ar entre o displicente e o desafiador. O aspecto do homem era inconfundível,
com aquelas cicatrizes que lhe sulcavam o rosto e que os ligavam de maneira
inseparável e por toda a vida. Para falar verdade, a presença do marquês não deveria
espantá-lo. Era um homem muito bem relacionado na corte, e nunca desperdiçava uma
ocasião destas para se mostrar em sociedade. Mas ensombrava, e muito, o seu regresso
àquele teatro, depois de tantos anos em que nem sequer se atreveu a passar-lhe em
frente da fachada, tentando em vão afugentar os tristes episódios cuja recordação
agora o assaltava. Quando quis entrar nos camarins, deparou com um inusitado aparato
da guarda perante o qual se estilhaçaram todas as tentativas de explicação. Ao dar
a volta para evitar os guardas, reparou que todos os acessos e saídas do edifício
estavam vigiados, à espera da chegada de alguém. Quando o viu regressar tão rapidamente,
Frasquita, com um olhar interrogativo, separou-se do grupinho em que estava e perguntou-lhe:
o que aconteceu? A guarda ocupou o teatro. Passa-se alguma coisa. Nesse momento,
um porteiro anunciou a presença do secretário de Estado, o conde Floridablanca.
Um murmúrio de surpresa percorreu o salão, agitado de uma ponta à outra pela pressa
nervosa de os grupos se juntarem, seguindo a passadeira central. Estavas a par de
que o primeiro-ministro vinha?, perguntou-lhe Sebastián. Não. Também não
percebo este secretismo todo, a não ser que façam isto por segurança. E se está
cá o Floridablanca, também há-de estar o meu marido. Nesse momento apareceu o conde,
com bastante prosápia e afectação. Viste?, sussurrou-lhe Frasquita ao ouvido, depois
de saudar o ministro com uma inclinação de cabeça. Está cada dia mais ressequido.
Não me admira que se entenda tão bem com o Onofre. Referia-se ao marido, Onofre
Abascal, homem de confiança de Floridablanca para as questões delicadas e que agora
se encontrava à sua esquerda.
Fonseca,
porém, não olhava para o secretário de Estado, mas para aquela a quem o estadista
concedera a honra de manter à sua direita: uma jovem morena e esbelta, de cabelos
pretíssimos, os olhos ligeiramente oblíquos, de olhar vagaroso, a boca fresca, de
arrasadora sensualidade, com uma tez entre a cor do cobre e da canela, como só é
possível nas mestiças. Era uma beleza de cortar a respiração, que suspendia os ânimos
e fazia o tempo parar. Pela primeira vez em muitos anos, referviam no íntimo de
Sebastián sensações que julgava mortas para sempre». In Agustín Sánchez Vidal, Nó de
Sangue, 2008, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-234-291-9.
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