Cortesia
de wikipedia
«(…)
O segundo projecto iniciou-se mais tarde, mas os primeiros resultados são
bastante animadores. Na verdade, há muito tempo que se vem investigando
arqueologicamente o Castelo de São Jorge, sendo de elementar justiça destacar o
trabalho continuado de Alexandra Gaspar e Ana Gomes na Praça Nova, ao abrigo do
Projecto Integrado do Castelo de São Jorge, cujos resultados levaram à
definição de uma área arqueológica visitável e do Núcleo Museológico do Castelo
de São Jorge. Neste momento, a investigação sobre a fortaleza prepara-se para
entrar numa nova fase. Estão em curso projectos académicos de investigação
destinados a estudar a fortificação na fase muçulmana, para a qual foi
essencial a recente leitura de Carmen Barceló de uma inscrição islâmica do Museu
de Lisboa, e a resgatar abundante informação documental inédita sobre a
história e o restauro do monumento. Paralelamente, o estudo físico das muralhas
e torres do castelo está a revelar-se uma verdadeira surpresa, como se comprova
pela leitura do esgrafito que alude ao terramoto de 1356, recentemente efectuada
por Bernardo Sá Nogueira, e pelos muitos materiais de várias épocas que se
encontram incorporados nos muros, formando parte dos seus enchimentos.
Sendo
o Castelo de São Jorge um monumento cuja autenticidade tantas vezes se
questiona, pela radicalidade da intervenção pretensamente restauradora
realizada entre 1938 e 1942, intervenção, de resto, que carece de um estudo
monográfico rigoroso, estas descobertas representam novos motivos para o
desenvolvimento de um plano de investigação integral do conjunto monumental, ao
mesmo tempo que transmitem a sensação de que se deve voltar ao ponto de partida
e começar a estudar o castelo do princípio, sem aceitar pré-conceitos acerca da
originalidade das suas parcelas, do carácter inventivo do restauro ou da
profundidade com que se afectou o subsolo e os seus estratos arqueológicos. Por
estes motivos, importa que, em paralelo com o estudo documental, fotográfico e
iconográfico do restauro, se possam desenvolver projectos complementares de
diagnóstico e de caracterização. É essencial que se promova um levantamento
exaustivo dos paramentos das muralhas e das torres e que se complete esse
trabalho com uma análise de arqueologia da arquitectura. E é também importante
que a arqueologia convencional volte ao topo da colina, porque a área
arqueológica da Praça Nova é um dos motivos de atractividade do castelo, mas
também porque há um imperativo científico no estudo de zonas potencialmente
relevantes, em particular associadas aos alicerces de alguns sectores do
sistema defensivo e de outras parcelas da alcáçova.
Neste
cenário, o Instituto de Estudos Medievais desempenha já papel importante, tendo
sido firmados protocolos com a EGEAC (empresa gestora do Castelo de São Jorge)
para permitir investigações de mestrado e de doutoramento sobre a alcáçova
medieval de Lisboa (2014), tendo havido já sessões de debate e de transferência
de conhecimento, como o 1.º Workshop sobre a alcáçova e o castelo de Lisboa
(Junho de 2015) e prevendo-se mais acções num futuro próximo.
Habituámo-nos
a caracterizar o sistema defensivo de Lisboa nos seus três monumentos-etapas
fundamentais: Castelo de São Jorge; Cerca Velha e Cerca Fernandina. Mas nem
essas estruturas funcionam de forma isolada, nem são o resultado de campanhas
construtivas temporalmente unitárias, nem, tão pouco, são os únicos elementos
de um sistema militar que contou com outras realizações e outros momentos. A
visibilidade arqueológica do muro do tempo de Dinis I ou o lanço de
muralha que avança da Cerca Velha até à Torre de São Pedro provam como a defesa
da cidade foi um processo continuado, conjunturalmente avaliado em cada época,
cujas etapas de construção são mais numerosas e carecem de um estudo tipológico
concertado. É nesse sentido que o trabalho de Artur Rocha no subsolo do Banco
de Portugal deve ser articulado com as acções de Manuela Leitão na Cerca Velha
e com os de Ana Gomes no Castelo de São Jorge, a que se devem juntar muitos
outros autores que têm vindo a investigar, de forma parcelar, aqueles monumentos.
Mas é também importante que exista um plano integrado para todo este
património, no qual se inclua ainda a Cerca Fernandina e as sondagens mais ou
menos isoladas que têm sido realizadas ao longo do seu percurso.
Finalizo
com uma palavra sobre a excelente museografia do Núcleo de Interpretação da
Muralha de D. Dinis. A visita é antecedida por uma animação gráfica
relativamente simples mas muito didáctica, que passa em revista, em poucos
segundos, a evolução da cidade desde a época medieval até aos nossos dias e as
diferentes opções construtivas que foram tomadas para o local onde hoje se
encontra o Banco de Portugal. A descida à muralha propriamente dita é
acompanhada por um percurso descendente também em termos cronológicos, do mais
recente para o mais antigo, que simula, em certa medida, a própria evolução de
uma escavação arqueológica, ao longo do qual o visitante toma contacto com
artefactos e outros objectos encontrados pelos arqueólogos. O espólio é
limitado e de importância reduzida, mas as soluções de exposição encontradas, a
que não faltam animações tridimensionais das peças, merecem ser elogiadas.
Finalmente, o percurso pela muralha é acompanhado por discretas tabelas
explicativas que contextualizam não só a história da muralha, mas também as
muitas cicatrizes que os tempos posteriores deixaram, assim indicando aos
visitantes que estão a observar um muro que, longe de alguma vez ter estado
cristalizado no tempo, antes foi aproveitado para diversos fins ao longo da
História, sendo a sua musealização apenas mais um momento. E isto é uma das
coisas que se conseguem quando se junta dinheiro, competência e bom gosto». In
Paulo Almeida Fernandes, Recensão, A
Muralha de Dinis I e a Cidade de Lisboa. Fragmentos Arqueológicos e a Evolução
Histórica, Museu do Dinheiro / Banco de Portugal, 2015, Universidade de
Coimbra, IEM, Revista Medievalista, Nº 20, 2016, ISSN 1646-740X.
Cortesia de
IEM/FCSH/NOVA/FCT/JDACT