Cortesia
de wikipedia e jdact
Introdução
«Finalmente
me encontrei com Andrew Wiles do outro lado daquela sala. A sala não estava
cheia, mas era suficientemente ampla para conter todo o pessoal do departamento
de matemática de Princeton. Porém naquela tarde não havia tanta gente por lá,
só o suficiente para me deixar em dúvida quanto a quem seria Wiles. Depois de
alguns momentos, apresentei-me para aquele homem de aparência tímida, que ouvia
as conversas enquanto tomava chá. Era o final de uma semana extraordinária, em
que eu conhecera os melhores matemáticos da nossa época e começara a vislumbrar
seu mundo. Mas apesar de todos os meus esforços para encontrar Andrew Wiles,
falar com ele e convencê-lo a participar do documentário para o programa Horizonte, da BBC, narrando sua
realização, aquele era nosso primeiro encontro. Ali estava o homem que
recentemente anunciara ter encontrado o santo graal da matemática. O
homem que anunciara ter achado a prova para o Último Teorema de Fermat.
Enquanto conversávamos, Wiles mantinha uma aparência ausente e retraída. Embora
fosse amável e educado, parecia claro que gostaria de estar tão longe de mim
quanto possível. Ele explicou, de modo muito simples, que não poderia se
concentrar em outra coisa além de seu trabalho, o qual se encontrava num
estágio crítico. Talvez mais tarde, quando as pressões estivessem aliviadas,
ele ficaria feliz em participar do programa. Eu sabia, e ele tinha conhecimento
disso, que Wiles estava enfrentando o colapso da grande ambição de sua vida. O
santo graal que ele encontrara estava se revelando não mais do que um belo
copo. Wiles descobrira uma falha na anunciada demonstração.
A
história do Último Teorema de Fermat é única. Na ocasião em que me encontrei
com Andrew Wiles eu já percebera se tratar de uma das maiores histórias no campo
da pesquisa científica e académica. Tinha visto as manchetes no Verão de 1993,
quando a sua demonstração colocara a matemática nas primeiras páginas dos
jornais do mundo inteiro. Na ocasião eu tinha apenas uma vaga lembrança do que
era o Último Teorema, mas percebia que se tratava de algo muito especial. Algo
que cheirava a tema para um filme da série Horizonte. Passei as semanas seguintes falando com muitos
matemáticos: desde aqueles envolvidos com a história, ou próximos de Andrew,
quanto os que simplesmente tinham compartilhado da emoção de testemunhar um
grande momento em seu campo de pesquisa. Todos generosamente compartilharam
suas concepções sobre a história da matemática e pacientemente me ensinaram o
pouco que eu poderia compreender sobre os conceitos envolvidos. Rapidamente
percebi que aquele era um assunto que talvez apenas meia dúzia de pessoas em
todo o mundo poderia compreender completamente. Por um momento pensei se não
seria loucura tentar fazer um filme sobre aquele tema. Mas, do meu contacto com
os matemáticos, aprendi também a história interessante e o significado profundo
de Fermat para os matemáticos e então compreendi que ali estava a parte mais
importante.
Fiquei
conhecendo as origens gregas do problema e como o Último Teorema de Fermat era
o monte Everest da teoria dos números. Aprendi a beleza da matemática e
comecei a perceber por que se diz que ela é a linguagem da natureza. Por meio
dos colegas de Wiles eu percebi o trabalho hercúleo que ele realizara, apelando
para todas as técnicas recentes da teoria dos números para usá-las em sua
demonstração. Seus colegas em Princeton me contaram a história dos intrincados
avanços de Andrew, durante anos de estudos solitários. Acabei montando uma
imagem extraordinária de Andrew Wiles e do enigma que dominara sua vida. Embora
a matemática envolvida na demonstração de Wiles seja uma das mais difíceis do
mundo, eu percebi que a beleza do Último Teorema de Fermat está no facto de que
o problema em si é bem simples de entender. Trata-se de um problema que pode
ser enunciado em termos familiares a qualquer estudante de primeiro grau.
Pierre de Fermat foi um homem de tradição renascentista, colocado no centro da
redescoberta do antigo conhecimento dos gregos. Todavia, ele fez uma pergunta
que os gregos não poderiam ter imaginado, e, ao fazê-la, produziu aquele que se
tornou o problema mais difícil da Terra. Como se não bastasse, ele deixou uma
nota dizendo que encontrara a resposta, mas sem revelar qual era. Era o começo
de uma busca que levou três séculos. Este período mostra muito bem a importância
do enigma. É difícil imaginar um problema, em qualquer ramo da ciência,
enunciado de forma tão simples e clara, que pudesse ter resistido tanto tempo
aos avanços do conhecimento. Considere os saltos na compreensão da física, da
química, da biologia, medicina e engenharia que ocorreram desde o século XVII.
Avançamos dos humores da medicina para a divisão dos genes, identificamos as
partículas atómicas fundamentais e colocamos homens na Lua. Mas na teoria dos
números o Último Teorema de Fermat permaneceu inviolado.
Houve
um momento, na minha pesquisa, em que busquei uma justificativa para que o
Último Teorema interessasse a alguém que não fosse matemático e por que seria
importante fazer um programa a seu respeito. A matemática tem uma infinidade de
aplicações práticas, mas no caso da teoria dos números as aplicações mais
importantes que encontrei foram na criptografia, no projecto de revestimento
acústico e nas comunicações com espaçonaves distantes. Não era provável que
isso despertasse uma grande audiência. E o mais interessante eram os próprios
matemáticos e a paixão que demonstravam quando falavam de Fermat. A
matemática é uma das formas mais puras de pensamento, e para os que estão
de fora os matemáticos parecem gente de outro mundo. Em todas as minhas
conversas o que mais me impressionou foi o modo extraordinariamente preciso de
suas respostas. Eles raramente respondiam a uma pergunta de imediato. Eu tinha
que esperar alguns momentos enquanto a natureza precisa da resposta era montada
nas suas mentes. Mas, quando falavam, eu obtinha uma declaração tão cuidadosa e
articulada quanto poderia desejar. Quando mencionei isso a Peter Sarnak, amigo
de Andrew, ele me disse que os matemáticos odeiam fazer uma declaração falsa. É
claro que eles empregam a intuição e a inspiração, mas declarações formais
precisam ser absolutas. A demonstração está no coração da matemática, e isso é
o que a distingue das outras ciências». In Simon Singh, o Último Teorema de Fermat, 1997,
Edição BestBolso, nº 367, Editora Record, 2011-2014, 978-857-799-462-5.
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