quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

O Vermelho e o Negro. Stendhal. «Depois de terem corrido de cascata em cascata, vêmo-los caírem no Doubs. O sol é muito quente nessas montanhas; quando brilha em cheio…»

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Uma pequena cidade
«(…) Deu a Sorel dois hectares em troca de meio hectare quinhentos metros mais abaixo, à beira do Doubs. E apesar de esta posição ser muito mais vantajosa para o seu comércio de tábuas de pinho, o pai Sorel, como lhe chamam desde que enriqueceu, conseguiu obter da impaciência e mania de proprietário de que o seu vizinho estava possuído a quantia de seis mil francos. Valha a verdade que esta combinação foi criticada pelas pessoas ajuizadas. Um domingo, há quatro anos, quando o senhor de Rênal voltava da igreja fardado de presidente viu de longe o velho Sorel, rodeado pelos três filhos, fitá-lo a sorrir. Aquele sorriso escureceu a alma do senhor presidente; desde então pensa para consigo que poderia ter conseguido a troca por preço mais favorável. Para se obter a consideração pública em Verrières é preciso não adoptar, apesar de ter de se construir muitos muros, qualquer plano trazido de Itália pelos pedreiros que na Primavera, atravessam os desfiladeiros do Jura com destino a Paris. Tal inovação acarretaria sobre o imprudente construtor a eterna reputação de má cabeça, ficando perdido para sempre no conceito das pessoas sensatas e moderadas que distribuem a consideração no Franco-Condado. De facto, essas pessoas sensatas exercem ali o mais aborrecido dos despotismos; é por causa desta feia palavra que a estada nas pequenas cidades é insuportável para quem viveu na grande república chamada Paris. A tirania da opinião, e que opinião!, é tão estúpida nas pequenas cidades da França quanto nos Estados Unidos da América.

Um Presidente da Câmara
Felizmente para a reputação do sr. de Rênal como administrador, um passeio público que bordeja a colina a uma centena de pés acima do curso do Doubs, e que deve a essa admirável posição uma das vistas mais pitorescas da França. Mas, a cada Primavera, as águas da chuva sulcavam o passeio, nele abrindo ravinas e tornando-o impraticável. Esse inconveniente, sentido por todos, pôs o sr. de Rênal na feliz necessidade de imortalizar a sua administração por um muro de seis metros de altura e sessenta ou oitenta metros de comprimento. O parapeito desse muro, para o qual o sr. de Rênal teve de fazer três viagens a Paris, pois o penúltimo ministro do Interior se tinha declarado inimigo mortal do passeio de Verrières, o parapeito desse muro eleva-se agora a uma altura de 1,50 metros do solo. E, como para desafiar todos os ministros presentes e passados, é guarnecido neste momento com lajes de pedra de cantaria. Quantas vezes, pensando nos bailes de Paris abandonados na véspera, e com o peito apoiado contra esses grandes blocos de pedra de um belo cinza puxando para o azul, meus olhares mergulharam no vale do Doubs! À distância, na margem esquerda, serpenteiam cinco ou seis vales no fundo dos quais o olhar distingue perfeitamente pequenos riachos. Depois de terem corrido de cascata em cascata, vêmo-los caírem no Doubs. O sol é muito quente nessas montanhas; quando brilha em cheio, o devaneio do viajante é abrigado nesse terraço por magníficos plátanos. Seu crescimento rápido e seu belo verdor puxando para o azul devem-se à terra trazida, que o sr. prefeito mandou colocar atrás do imenso muro de sustentação, pois, apesar da oposição do conselho municipal, ele ampliou o passeio em mais de dois metros (embora ele seja conservador e eu liberal, louvo-o por essa medida); eis por que, em sua opinião e na do sr. Valenod, o feliz director do asilo de mendicidade de Verrières, esse terraço pode sustentar a comparação com o de Saint-Germain-en-Laye.
Quanto a mim, só vejo uma coisa a censurar na Alameda da Fidelidade; lê-se esse nome oficial em quinze ou vinte pontos, em placas de mármore que valeram ao senhor de Rênal mais uma condecoração; o que eu reprovaria à Alameda da Fidelidade é a maneira bárbara pela qual a autoridade manda cortar e podar quase ao extremo esses vigorosos plátanos. Em vez de se assemelharem, por suas copas baixas, redondas e achatadas, à mais vulgar das árvores de quintal, seria melhor que tivessem aquelas formas magníficas que possuem na Inglaterra. Mas todas as árvores pertencentes à comuna são impiedosamente amputadas. Os liberais do sítio vontade do sr. prefeito é despótica, e duas vezes por ano todas as árvores pertencentes à comuna são impiedosamente amputadas. Os liberais do sítio pretendem, mas exageram, que a mão do jardineiro oficial se tornou mais severa desde que o senhor vigário Maslon adquiriu o hábito de apoderar-se dos produtos da tosquia». In Stendhal, O Vermelho e o Negro, 1828-1830, Círculo de Leitores, Cortesia de Portugália Editora, 1978.

Cortesia de CLeitores/JDACT