terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Deslumbrante. Madeline Hunter. «Ele tirou a capa. Ela ficou visivelmente assustada. É para eu pendurá-la e secar, se não se importar, explicou ele. Ela assentiu com a cabeça»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Audrianna tentava conservar uma aparência de indiferença diante desse assunto, mas ao se lembrar de Roger sentia uma mágoa profunda no coração. Eventualmente não se sentiria mais assim, acreditava. Pelo menos tinha a pequena consolação de saber que não voltaria a se desiludir-se tanto com alguém. Com o rumo que os acontecimentos tomaram, homem nenhum voltaria a pedi-la em casamento. Dissera à mãe que ia viver com a prima Daphne para aliviar a sobrecarga financeira provocada pela morte do pai, pois a família vira o seu rendimento reduzido às magras poupanças da mãe. Na verdade, quisera era escapar de uma vida prisioneira da tristeza e construir uma nova na qual encontrasse um contentamento adequado às suas actuais expectativas. A multidão do andar de baixo produzia um barulho suave que chegava aos ouvidos. Ali no segundo andar nada se ouvia, a não ser uma porta ou outra se fechando. O silêncio a deixava mais desconfortável. Apesar de ter mais viajantes nos outros quartos. Se o tal Dominó tentasse alguma coisa inconveniente e ela gritasse, acreditava que a ajuda chegaria rapidamente. Puxou o xale mais para cima, para se livrar do frio. Protegida pelo calor da lã, apertou na mão a pistola de Daphne. Levara-a para tomar coragem, e para que não se repreendesse depois por andar desprotegida. Infelizmente, sentir o peso da pistola apenas provocou mais um calafrio. Sebastian pressionou o trinco. Para sua surpresa, ele cedeu. Empurrou a porta do quarto. Logo à entrada, foi recebido pelo clarão de um candeeiro. A luz intensa transformava o resto do compartimento em um mar de escuridão. Avançou para escapar da iluminação agreste. Os olhos foram se adaptando lentamente. Um fogo baixo na lareira criava o seu próprio contraste de claro e escuro. Contudo, assim como os quadros que exploravam um efeito semelhante, a escuridão começava a tomar formas e volumes quanto mais tempo ficava olhando.
Surgiu a cabeceira da cama de dossel, voltada para a lareira, que assim se uniu aos pés, banhados pelas chamas. Pregos mostraram-se na parede ao lado da porta, segurando tecidos. Os cantos do quarto revelaram finalmente o seu conteúdo. Uma mesa. O vulto pesado de um roupeiro. Contornos ténues no outro canto ganharam forma, mais próximo da luz da lareira. Compuseram algo que reconheceu. Uma mulher. A presença deteve-o. Presumira que o Dominó era um homem. Um erro desculpável, afinal, mas era uma opinião infundada. A descoberta de que o Dominó era apenas uma mulher animou-o imediatamente. Ficaria rapidamente sabendo aquilo de que precisava e a reunião não tomaria tempo. Abriu um sorriso que cativara muitas mulheres no seu tempo. Dirigiu-se para a lareira. Por favor, fique aí, disse ela. Devo insistir. Era sério? Aquilo o fez sorrir ainda mais. Ela tinha uma voz jovem. Sem ser imatura, no entanto. Com mais atenção, conseguiu distinguir melhor a aparência dela. Cabelo escuro. Talvez aquela cor interessante em que o ruivo invade o castanho, como a tonalidade do cavalo alazão. Difícil avaliar a idade, mas parecia de vinte e poucos. O rosto parecia bonito, mas àquela luz a maioria das mulheres seria atraente. Um xaile escuro cobria o colo e o peito. O vestido parecia ser cinzento ou alfazema e era bastante simples, pelo que via. Ia apenas me aquecer perto da lareira, esclareceu ele. A viagem me deixou encharcado. A cabeça dela inclinou-se para trás ao ponderar a explicação dele. Até à lareira, então. Sem chegar mais perto. Ele tirou a capa. Ela ficou visivelmente assustada. É para eu pendurá-la e secar, se não se importar, explicou ele.
Ela assentiu com a cabeça. Pendurou-a num dos pregos. Habituado agora à luz do quarto, conseguiu perceber que as outras roupas que estavam penduradas eram uma capa e peliça de mulher. Aproximou-se do fogo e fingiu se concentrar no calor que emanava, mas observava-a de esguelha. Sorriu novamente para ela quando se virou de costas para o fogo. Ela mexeu-se por baixo do xaile. Devo avisá-lo de que tenho uma pistola. A voz dela tremia de ansiedade. Fique descansada que não irá precisar dela. Ela não pareceu convencida. Olhos verdes, pensou ele. Mostravam determinação e algum medo. O último era bom sinal. Indicava que ela não era estúpida, e um pouco de medo teria utilidade. Esperava um homem, retomou ele. Mr. Kelmsleigh não estava disponível, por isso vim no lugar dele. Creio que pretende ser recompensado pelas informações que tem e estou preparada para pagar se a soma for razoável. Ele disfarçou a reacção de surpresa. Ela pensava que ele era o Dominó. O que significava que ela, obviamente, não era. Nunca acreditara que a má pólvora que chegara à frente de batalha se tratasse de mera negligência da parte de Kelmsleigh, embora uma negligência dessas fosse grave a ponto de acabar com um homem. Suspeitava, sim, de conspiração e fraude, e duvidava de que Kelmsleigh tivesse concebido e controlado o esquema. Ainda assim, nunca esperara que houvesse mulheres envolvidas. Agora esta cúmplice indicava que havia pelo menos uma. Só que, quem era ela? Sua identidade podia fornecer uma ligação com as outras pessoas envolvidas no esquema. Ela observava-o cautelosamente. Agora conseguia ver melhor o medo dela. Não era o que ele esperava, mas supôs que também era uma surpresa para ela». In Madeline Hunter, Deslumbrante, Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.

Cortesia de EASA/JDACT