sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Memórias de Agripina. Seomara V. Ferreira. «A primeira coisa que ele fez, depois de estudar a situação, foi rodear-se de um conselho de especialistas aptos a serem consultados antes de cada operação»

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«(…) O pânico foi tão veemente e atroz que a população pensou que, depois de o general romano ter sido massacrado com as suas três legiões e as tropas auxiliares por Armínio, este avançaria sobre Roma indefesa Augusto ao ter conhecimento do desastre perdera totalmente a cabeça. Varus fora incompetente. Esquecera que a Germânia não se achava totalmente pacificada e deixara negligentemente Armínio e Segimerus seu pai reconstituir o exército bárbaro e rearmá-lo. Pior, a Varus faltava a sagacidade de Tibério, a sua prudência, a sua inteligente estratégia. Por isso se deixou cair numa armadilha tão eficiente que nenhum outro general, por mais competente que fosse conseguiria ultrapassá-la, isto é, terminaria os seus dias como os desgraçados de Teutoburgo: afogados na lama dos pântanos, trucidados pelos Germanos e pela tempestade que desabara entretanto, por entre as centenárias árvores da floresta, impossibilitados até de utilizar as suas próprias armas e os sobreviventes dos quatro dias de batalha (porque é preciso dizer que eles combateram até ao limite das suas forças, até ao esgotamento físico e moral) acabaram queimados vivos em gaiolas de vime após horrendas torturas. A verdade é que os Germanos pouco conhecem da honra de guerra. Não têm prisioneiros. Ceifam-nos barbaramente, como se isso constituísse um dever guerreiro. Após o desastre, Augusto mandou reforçar as guarnições das fronteiras do Império e, na própria Urbr instalou sentinelas. Vestiu-se de luto, deixou crescer o cabelo e a barba. Fora o maior ultraje militar do seu governo. De noite erguia-se percorria os corredores da sua casa do Palatino e gritava como se o espírito de Varus o pudesse escutar: Varus, Varus, traz-me de volta as minhas legiões! Os criados confessavam que ele quando fora acordado a meio da noite por um correio da Germânia, tinha sofrido um acesso de fúria tão violento, ao escutar dos lábios do homem esfarrapado, ferido e esgotado pela cavalgada até Roma a terrível notícia, que batera aos berros com a cabeça pelas paredes.
Tibério meu tio avô Tiberius Claudius Nero fora adoptado por Augusto que era apenas seu padrasto, em 757, se não estou em erro. Era o seu herdeiro e entrara na família dos Júlios... Foi chamado imediatamente. Augusto de momento sabia que não tinha mais ninguém a quem recorrer. O enteado era um bom general, um extraordinário estratega, respeitado pelas suas tropas e impregnado daquele sentido político da prudência que faz dos homens grandes figuras ou tremendos hipócritas. Fez de Tibério as duas coisas e ninguém poderá nunca reduzir a sua grande competência como militar e administrador. E Augusto, embora nunca o tivesse amado, sabia-o bem. Se havia um homem em todo o Império capaz de fazer apagar a trágica volubilidade do governador da Germânia que Armínio, de uma forma ou de outra, justiçara para mal de Roma, esse homem era o filho de Lívia. A sua clarividência e dotes de estratégia militar durante os três anos que se seguiram cimentaram de novo o orgulho de Roma em terras da Germânia.
A primeira coisa que ele fez, depois de estudar a situação, foi rodear-se de um conselho de especialistas aptos a serem consultados antes de cada operação. Pelas notas de meu pai que minha avó Antónia guardou, e não só, porque as campanhas da Germânia onde meu avô Druso e meu pai se ilustraram fazem parte dos actuais compêndios de História que se ensina nas escolas, sabemos que a disciplina do exército foi reforçada, as antigas punições dos legionários, mesmo de menor importância, foram aplicadas com todo o rigor. A frugalidade e a disciplina rígida eram absolutamente necessárias para que o espírito coriáceo do exército se reafirmasse. O primeiro passo consistia em aterrorizar os Germanos e consolidar as defesas existentes. A actuação de Tibério, com as suas oito legiões treinadas e desejosas de vingar Varus, exerceu uma acção punitiva violenta na margem direita do Reno. Depois de cada razia, as populações são deportadas e as povoações incendiadas. A partir de 764 meu pai (e seu filho adoptivo por ordem de Augusto) junta-se-lhe e partilha com o primeiro herdeiro do Príncipe a ocupação do país, coadjuvando-o no comando das operações e, no ano seguinte Tibério decidiu que a sua acção dera os frutos desejados e regressa a Roma, depois de autorizado por Augusto, deixando a meu pai o comando das operações de ocupação e pacificação. É a Germânico, meu pai, que fica entregue a missão de pacificar em nome do Povo Romano toda a zona e terminar a estabilização do nosso poder no Norte da Europa. Como já disse, a Germânia foi para a nossa família um ponto de honra. Meu pai, além da missão a cumprir para o Povo Romano e Augusto, tinha em mente outra, talvez menos solene mas nem por isso menor, portar-se à altura de seu pai, do qual herdara o título de Germânico, Druso casado com a avó Antónia, o irmão querido de Tibério e com o qual sempre nos pareceu que morrera um bom pedaço da parte positiva da sua alma. Dezanove anos antes extinguira-se de gangrena, junto ao Albis, também na Germânia, nos braços da mulher e do irmão. Fora após a sua morte que Tibério prosseguira a campanha na Germânia, praticamente dois anos antes de se refugiar em Rodes..., mas lá iremos, lá iremos... Meu pai ficou com o exército e o conselho de não fazer novas conquistas. Tibério talvez tenha tido consciência nesses conturbados anos que não seria possível, devido às características das populações e à geografia do terreno constituir rapidamente a tal província romana, derradeiro sonho de Augusto, entre os rios Reno e Albis. Um dos aspectos mais angustiantes do seu pensamento quanto à Germânia era saber que não se podia contar com a versatilidade de populações afeitas à guerrilha permanente, ora pacificadas ora traindo os acordos estabelecidos por pressões de tribos independentes, ou alertadas e convulsionadas pela auréola de um chefe quase mítico como de momento pareceu ser Armínio. Nesse Outono do regresso, Tibério recebeu em Roma o seu merecido triunfo pela vitória na Panónia e na Ilíria, anos antes». In Seomara Veiga Ferreira, Memórias de Agripina, 1993, Editorial Presença, Lisboa, 2007, ISBN 978-972-231-664-4.

Cortesia de EPresença/JDACT