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Abriu os olhos e sentiu vontade de se mexer e de se espreguiçar. Mas o tubo
estreito em que se encontrava metida não o permitiu. Num pequeno visor fixo,
mesmo por cima dos seus olhos e à distância de uma mão, viu a imagem de um homem
sorridente. E não era seguramente um jovem. O cabelo estava perfeitamente
penteado e de um negro azulado que era reluzente como se lhe tivessem aplicado
uma camada de orvalho fresco. Sobre a testa pendia um único caracol, o que despertou
em Helen o reflexo de estender o braço para o afastar para o 1ado. Mas
lembrou-se a tempo de que não se podia mexer. Sentiu o braço muito pesado. As
maçãs do rosto do homem eram muito pronunciadas e os dentes eram brancos como a
neve. Uma sugestão de barba por fazer dava-lhe uma aparência especialmente masculina.
O olhar temerário prometia aventuras. Sim, ser-lhe-ia talvez difícil arrancar uma
mulher da cama. Helen fechou os olhos por instantes. Negro. Sentiu uma picada
no peito. E então? O que achas?, perguntou a voz metálica. Helen pensou ouvir
um tom de divertimento na voz. Procurou os botões com os dedos, tendo o cuidado
de não mexer a mão toda. Bastava uma ligeira pressão dos dedos. Esperou.
Mas
era o que eu pensava!, ouviu Betty dizer. E nós com medo de que tivesses
adormecido. Muito engraçado, pensou Helen. O corpo produzira tanta adrenalina que
ela nessa noite até iria ter dificuldade em adormecer. Para ela tinha sido uma
cavalgada no dorso de um cavalo desenfreado. E quem é que conseguiria dormir
numa situação dessas? O suor frio colou-se-lhe à testa. Abriu mais uma vez a
boca, ofegante, à procura de ar. Sentiu um formigueiro nos dedos. Havia um
motivo para ter adiado este processo durante tanto tempo. Todos os seus colegas
se haviam submetido há muito tempo aos testes de ressonância magnética. A
maioria enquanto estudantes. De algum modo ela conseguira sempre evitá-los. Até
agora. Mas, quando se conduzia um projecto experimental, havia que se dar o
exemplo. E não havia mais ninguém a quem coubesse o dever de testar o
equipamento experimental. As pancadas ganharam uma nova coloração. Helen
afastou as imagens coloridas dos seus olhos interiores e concentrou-se no
visor. Bom, agora a próxima fotografia, anunciou Betty. Desta vez foi o rosto
de uma mulher que apareceu. Helen pensou primeiro que o rosto estivesse completamente
limpo de maquilhagem, mas depois, vendo melhor, notou-lhe sinais de sombra para
os olhos e vestígios de maquilhagem. Apesar disso, a mulher parecia ter um
rosto banal. Descorado. A pele das faces era um pouco flácida. Os lábios eram
estreitos. O nariz parecia torto, o olhar desinteressado e as pálpebras caídas.
Clareza, era o que esta imagem queria dizer. Desinteressante. Helen fechou os
olhos. Vermelho-claro. Seria uma consequência do zumbido? Voltou a mexer o dedo
indicador. OK, ouviu Helen, em tom céptico, vindo de um altifalante.
Tens
a certeza de que não te estás a baldar? Helen procurou outra vez respirar com
mais força, mas o peito pareceu-lhe feito de cimento. Começou a ter a sensação
de que iria sufocar. Quero sair daqui!, exclamou, de repente, e quase se
surpreendeu com as suas próprias palavras. Ainda não acabámos..., afirmou Betty,
com um tom de voz inseguro. Acabem com isto!, tornou Helen, com voz firme. As
pancadas haviam retomado a sua sequência, fazendo surgir sombras lúgubres dentro
da sua cabeça. A sério?, perguntou Betty, incrédula. Ainda temos dez fotos... A
sério!, respondeu Helen, já em pânico. Esperou alguns instantes e, como nada acontecesse,
tacteou à procura da pequena bola de borracha que devia encontrar-se junto do
braço direito. Cem vezes pusera ela própria a campainha junto da pessoa que
estava a ser sujeita ao teste na máquina de ressonância magnética, associando-a
à indicação tranquilizadora de que a cobaia devia apertar a bola se houvesse
alguma emergência. Compreensivelmente, nunca ocorrera nenhuma emergência. E
ninguém recorrera à bola. E agora era ela própria que o fazia». In
Tibor Rode, O Vírus Mona Lisa, 2016, Topseller, 20/20Editora, 2016, ISBN
978-989-883-989-3.
Cortesia de
Topseller/20/20E/JDACT