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E então?,-perguntei. Encontraram-no há doze dias. Há doze dias... Onde? No
Norte do país? Numa sinagoga restaurada no Golan? Perto de Quioto, num
santuário. Quioto? No Japão. Mas, exclamei, o que tem isso a ver... Comigo?, concluiu
Shimon pegando num palito, o que, no seu caso, era sinal de grande tensão nervosa.
Continua... É muito simples. Como já te disse, agora estou no Mossad. Não ficarás
decerto surpreendido se te disser que faço parte da secção internacional... Os
serviços secretos... Estás a ver onde quero chegar? Roeu o palito, com ar de
reflectir intensamente. Mas e eu, Shimon?! Pensaste em mim? Não sou um espião. Não
tenho essa formação. E, além disso, que tenho a ver com o Japão? Pelo contrário,
pareces estar perfeitamente treinado. Aprendeste no terreno, como se diz. Em
Paris, em Nova lorque e aqui, em Israel... Diria mesmo que tens a melhor formação
possível para este tipo de missão..., no terreno. Prefiro prevenir-te desde
já... Ouve, é muito simples, interrompeu-me. Vou explicar-te tudo. Olhei para a
fotografia. Morreu assassinado, provavelmente... Sim, foi assassinado. Mas há um
pequeno pormenor... Oual? Shimon observou-me como se estivesse profundamente incomodado
com o que me ia dizer. Foi há dois mil anos, anunciou. Como? Que dizes? Podes
repetir? Estou a dizer-te que este homem morreu há dois mil anos. Assassinado. Escuta,
Shimon, disse, levantando-me. Podes explicar-me ao que estás a brincar? O frio e
a neve preservaram-lhe os ossos e os tecidos. Foi examinado na scanner e
os investigadores detectaram uma sombra suspeita sob o ombro esquerdo que,
aparentemente, se deslocou. O exame confirmou que a sombra era a ponta de uma arma
cortante, talvez uma seta. Estás a seguir-me? Não muito bem. A lâmina entrou no
corpo e paralisou o braço, cortando uma veia. A identidade do criminoso
permanece um mistério. Suponho que a do homem também.
Não inteiramente.
Aparentemente era de pele branca, apesar de tisnada. O frio também conservou
pedaços da túnica que trazia. Além disso, encontraram isto nas suas mãos, disse
Shimon, entregando-me uma segunda foto. Devolvi-lha sem sequer olhar para ela.
É inútil. Não faço parte do caso. Não vou andar à procura do assassino de um morto
há três mil anos... Dois mil. Além disso, assinalo-te que ele já não existe. Ou
talvez exista, mas sob a mesma forma que este homem e, nesse caso... Talvez
não..., murmurou Shimon, pensativo. Talvez não?, exclamei. Mas que foi que te deu?
Acreditas em fantasmas? Ou na imortalidade? Um dos monges do templo onde o homem
foi encontrado, desapareceu. Repito-te: não vejo o que tenho a ver com tudo isso.
Shimon não parecia minimamente desconcertado. Calmo, sereno, esperava, sem
dizer palavra. Passado um momento levantei-me para lhe indicar a saída. Ainda há
outra coisa, disse, levantando-se. Se queres falar-me de dinheiro, repito-te
que... E a propósito de Jane... De que se trata? Sabes onde ela está? Acaba de
receber uma mensagem da CIA. Peguei na folha que ele me estendia com as fotos. Uma
ordem de missão..., para o Japão!
Shimon
inclinou-se para mim e entregou-me um bilhete de avião. Despacha-te. Não há tempo
a perder... Mas que irei dizer ao meu pai? Preveniste-o? Ele consultou o relógio.
Esta tarde, às dezoito e cinquenta. Tens aproximadamente doze horas para te
despedires de toda a gente. Só então o meu olhar caiu num dos clichés. Estupefacto,
descobri um manuscrito hebraico. Um manuscrito de Qumran num templo de Quioto,
no Japão. Qumran, a trinta quilómetros de Jerusalém, no deserto de Judeia. Era aí
que devia fazer as minhas despedidas. Qumran, reino da beleza, coração da minha
alma, imensidade celeste, vestígio imenso da origem, da criação do mundo, sítio
tão baixo e profundo que, para quem sabe inclinar-se, é possível ver a crosta terrestre
a partir da elevada plataforma de calcário, entre os rochedos da terra da Judeia,
diante da grande baía que domina o mar Morto. Sob o céu de Qumran, o solo é árido
e o Sol é rei. Faz calor entre as rochas, faz calor na terra. Não há vento, nem
ruídos, pode ouvir-se o passo do lagarto e o deslizar da serpente por entre as covas
profundas e os sulcos dos desfiladeiros. Mais longe, em Ain Feshka, uma corrente
de água dá de beber à terra seca e as suas torrentes alimentam a camada freática
de Qumran.
E aí
que vivo, é aí que escrevo: chamam-me Ary, o escriba. De olhos fixos no pergaminho,
a mão apertando a pluma, escrevo. Dia e noite, escrevo: para mim não há horas,
estações, calendário, pois a escrita, tal como o amor, é um mundo onde o tempo se
eterniza, onde a duração prolonga o instante e o dilata, onde ninguém sabe quando
chega a luz e o dia. Sou Ary, o escriba: para mim não há outra vida para lá de escrever,
a sombra, ao abrigo do calor tórrido do grande lago, do seu reflexo ofuscante
sob o céu e dos dias e das noites daqueles que caminham ao Sol. Tenho trinta e cinco
anos e já sou velho, tantas foram as aventuras que vivi, longe do turbilhão das
necessidades da vida, tanto viajei e meditei, pois não procurei ganhar a vida e,
frequentemente, perdi-me ao Sol. Depois, pus o mundo entre parênteses para escrever
a minha história, essa história particular, imensa e ínfima, essa história
singular da qual não sou responsável e que se mistura à própria História. Procurei
desde sempre a união, até posso dizer que lhe consagrei a minha vida. Sim,
durante muito tempo errei pelos meandros do mundo, pelas passagens estreitas e pelas
vias mais largas e se me perdi tantas vezes não foi por ter deixado de tentar encontrar
o meu caminho. Presentemente vivo longe de todos, numa gruta secreta, num local
afastado e desértico, a alguns quilómetros de Jerusalém, o chamado deserto da
Judeia. Aí se elevam falésias de calcário que dominam o local mais baixo da terra,
o mais sulfuroso, o mais denso em sal, o que conserva a vida, o local mais original
e mais longínquo, o mais pequeno, apesar de imenso, esse local estranho e único,
quase irreal, chamado Qumran». In Eliette Abécassis, A Última Tribo,
2004, tradução de Carlos Oliveira, Editora Livros do Brasil, Colecção Suores
Frios, Lisboa, 2005, ISBN 972-382-763-8.
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