quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

A Rainha Branca Philippa Gregory. «Existem partidários dos Iorque em todas as grandes casas da região, agora, e todos os negócios ou lugares rentáveis estão na posse deles»

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Primavera. 1464
«O meu pai é sir Ricardo Woodville, o barão Rivers, nobre inglês, proprietário de terras e apoiante dos legítimos Reis da Inglaterra, a linha dos Lencastre. A minha mãe descende dos duques da Borgonha e, assim, possui o sangue aquoso da deusa Melusina, que fundou a casa real da família com o seu extasiado amante ducal, e ainda pode ser encontrada, por vezes, em momentos de grande dificuldade, gritando um aviso sobre os telhados de castelos, quando um filho e herdeiro está a morrer e a família condenada ao fracasso. Ou, pelo menos, é o que dizem os que acreditam em tais coisas. Com esta minha ascendência contraditória, terra sólida inglesa e uma deusa da água francesa, poderia esperar-se qualquer coisa de mim: uma feiticeira ou uma rapariga normal. Há quem diga que sou ambas as coisas. Mas hoje, quando penteio o meu cabelo com especial cuidado e o componho sob o meu toucado mais alto, pego nas mãos dos meus dois filhos órfãos de pai e sigo pela estrada que leva a Northampton, daria tudo o que sou para ser, só desta vez, simplesmente irresistível. Tenho de atrair a atenção de um homem jovem que vai a caminho de mais uma batalha contra um inimigo que não pode ser derrotado. Talvez nem sequer me veja. Não é provável que ele esteja com disposição para pedintes ou namoricos. Tenho de suscitar a compaixão dele pela minha posição, inspirar a compaixão dele pelas minhas necessidades e ficar gravada na memória dele o tempo suficiente para que faça algo por ambas. E este é um homem que tem mulheres bonitas a atirarem-se a ele todas as noites da semana, e uma centena de pretendentes para cada posição que ele possa oferecer. É um usurpador e um tirano, meu inimigo e filho do meu inimigo, mas eu estou muito para além de poder ser leal a alguém que não sejam os meus filhos e eu mesma. O meu pai cavalgou para a batalha de Towton para combater este homem que agora se autodenomina rei da Inglaterra, apesar de ser pouco mais do que um fanfarrão; e nunca vi um homem tão destroçado como o meu pai, quando regressou a casa, de Towton, o seu braço que segura a espada a manchar o casaco de sangue, o rosto pálido, afirmando que este rapaz é um comandante de tal ordem como nunca vimos, e que a nossa causa está perdida, e que todos ficamos sem esperança enquanto ele viver. Vinte mil homens foram ceifados em Towton sob as ordens deste rapaz; nunca ninguém vira tantas mortes na Inglaterra. O meu pai disse que havia sido uma ceifa de membros da casa de Lencastre, não uma batalha. O rei legítimo e a sua mulher, a rainha Margarida Anjou, fugiram para a Escócia, devastados pelas mortes. Aqueles de nós que ficaram na Inglaterra não se renderam prontamente. As batalhas prosseguiram, para resistir a este falso rei, este rapaz de Iorque. O meu próprio marido foi morto a comandar a nossa cavalaria, há apenas três anos, em St. Albans. E agora fiquei viúva, e todas as terras e fortuna a que em tempos chamei minhas foram-me tiradas pela minha sogra, com a boa vontade do vencedor, o chefe deste rei-menino, o grande marionetista que se sabe ser o fazedor de reis: Ricardo Neville, conde de Warwick, que fez deste rapaz vaidoso um rei, agora com apenas vinte e dois anos, e que transformará a Inglaterra num Inferno para aqueles de nós que ainda defendem a Casa de Lencastre.
Existem partidários dos Iorque em todas as grandes casas da região, agora, e todos os negócios ou lugares rentáveis estão na posse deles. O rei menino deles está no trono e os seus partidários compõem agora a nova corte. Nós, os derrotados, somos indigentes nas nossas próprias casas e estranhos na nossa própria região, o nosso rei, um exilado, a nossa rainha, uma estrangeira vingativa que conspira com a nossa antiga inimiga, a França. Temos de nos conformar com o tirano de Iorque, ao mesmo tempo que rezamos para que Deus se volte contra ele e para que o nosso rei legítimo varra o Sul com um exército, para ainda mais uma batalha. Entretanto, como muitas mulheres com um marido morto e um pai derrotado, tenho de recompor a minha vida como uma manta de retalhos. Tenho de reconquistar a minha fortuna de algum modo, ainda que me pareça que nenhum parente ou amigo possa abrir caminho para mim. Somos todos conhecidos como traidores. Fomos perdoados, mas não somos amados. Nenhum de nós detém qualquer poder. Terei de ser a minha própria advogada e apresentar o meu caso a um rapaz que respeita tão pouco a justiça que se atreveria a reunir um exército contra o seu próprio primo: um rei ordenado. O que é que alguém poderá dizer a um selvagem destes, que ele possa compreender?» In Philippa Gregory, A Rainha Branca, 2009, Civilização Editora, Porto, 2010, ISBN 978-972-263-012-2.

Cortesia de CivilizaçãoE/JDACT