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O bispo de Bérgamo escolheu-o como secretário pessoal durante um período de dez
anos, interrompido quando Roncalli foi recrutado como capelão do exército
italiano durante a I Guerra Mundial. Em 1925, Pio XI nomeara-o arcebispo e
recebeu a primeira das suas incumbências: partir para a Turquia como núncio papal.
Seguiram-se a Grécia e França (em 1944, Roncalli recebeu um telegrama codificado
em Istambul, informando-o da sua nomeação como núncio papal de Paris libertada;
incrédulo, partiu para Roma; reuniu com o monsenhor Tardini na sede da Secretaria
de Estado; enlouqueceu?, perguntou; como lhe ocorreu pedir-me que aceite um posto
tão difícil?; o normalmente volúvel Tardini olhou-o em silêncio por um momento antes
de responder; pode ter a certeza que a surpresa de todos nós aqui foi maior que
a sua). No que dizia respeito à II Guerra Mundial e à questão do Holocausto, foi
diferente do seu predecessor. Roncalli tinha insistido tão frequentemente com o
secretário de Estado Maglione para que convencesse o papa a pronunciar-se acerca
das atrocidades nazis que Maglione se queixara da sua persistência aos seus colegas
em Roma. Em 1944, Franz von Papen, embaixador alemão na Turquia, abordou
Roncalli, que era então o núncio papal em Istambul. Disse-lhe que, se o papa
condenasse Hitler, um grupo de patriotas alemães negociaria uma trégua com os Aliados.
Quando o núncio transmitiu a proposta de von Papen ao Vaticano, Pio e Maglione
retiraram-lhe importância, acreditando que Roncalli era simplório e facilmente manipulado
pelos alemães, que poderiam preparar uma armadilha ao papa.
O momento
da verdade chegou no fim da Primavera de 1944. Roncalli foi o primeiro alto representante
da Igreja a receber uma cópia do Protocolo de Auschwitz, relatório arrepiante
de Maio elaborado por dois judeus eslovacos que tinham fugido do campo de extermínio.
O documento deixava poucas dúvidas acerca da preparação pelos nazis do seu maior
campo de morte para receber os judeus húngaros. Enviou-o por mala diplomática para
o Vaticano. Quando Ira Hirschmann, o representante da Comissão de Refugiados de
Guerra abordou Roncalli nesse Verão, os nazis tinham já iniciado as deportações
em massa de húngaros. Roncalli perguntou a Hirschmann se os judeus húngaros
aceitariam ser baptizados apenas para salvar as suas vidas..., não realmente para
se converterem, compreende. Hirschmann disse que sim. Duas semanas mais tarde, Roncalli
confirmou que enviara milhares de certificados de baptismo ao núncio papal em Budapeste.
Esse acto simples salvou mais judeus num par de meses do que a hesitação de Pio
durante os seis anos da guerra. Quando Pio XII o nomeou finalmente cardeal em 1953,
a maioria considerara que o chapéu vermelho era um prémio pela longevidade e lealdade,
não significando qualquer distinção pela sua carreira. Ao contrário de Montini ou
Siri, Roncalli não tinha apoiantes de peso na cúria e não formara quaisquer alianças
que promovessem a sua candidatura. Ninguém o via como predestinado para o trono
papal. O que se destacara durante a sua carreira fora a reputação de simpatia. Onde
quer que servisse, o jucundo e bonacheirão Roncalli tornava-se popular junto aos
católicos comuns. Mesmo que ninguém tivesse percebido o significado do facto,
assumia o papado durante os primeiros anos da televisão. Seria o primeiro papa visto
por dezenas de milhões de fiéis através dos seus televisores. Era o meio de comunicação
que mais se adequava à sua personalidade.
Mesmo
que Roncalli tivesse conseguido reunir os votos necessários para ser eleito papa,
havia quem questionasse a sua capacidade de liderança da Igreja. A irmã Pascalina
afirmava que não era digno de suceder a Pio. O novo papa respondeu no dia após a
sua eleição proibindo-a de entrar nos aposentos que lhe tinham sido atribuídos,
anexos aos seus. Foi-lhe dito que deveria deixar o Vaticano. Antes da sua partida,
um inimigo de longa data na cúria, o cardeal Tisserant, confrontou-a e exigiu saber
porque tinha queimado três caixas repletas de documentos pertencentes a Pio XII.
O santo Padre ordenou que fosse tudo queimado e assim foi. Alguns dos documentos
eram rascunhos de discursos que tinha escrito durante as suas duas décadas como
papa. Mas desconhecia o conteúdo e não se considerou autorizada a ler. Tisserant
ficou furioso. Sabemos isso melhor do que ninguém, mas foi uma ordem do
santo Padre, que considerámos sacrossanto durante toda a sua vida, não deixando
de o ser após a morte». In Gerald Posner, Os Banqueiros de Deus,
2015, Editora Self-Desenvolvimento Pessoal, 2015, ISBN 978-989-878-155-0.
Cortesia
de Self/JDACT