quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Filhas da Tempestade. Philippa Gregory. «Sinceramente, se ela está ou não enamorada de Luca é o que menos nos preocupa neste momento. A frente deles, Isolde lançou a cabeça para trás e riu-se alto»

jdact

Estrada de Roma para Pescara. Itália. 1453
«(…) Ele ouviu de imediato a onda de riso na voz dela, e não pôde deixar de ficar encantado com aquele forte sentido de independência. Nós somos importantes, insistiu ele. Nós, homens, mandamos no mundo, e tu devias mostrar-me mais respeito. Mas tu não passas de um mero criado, arreliou ela. E tu não passas..., do quê? Contrapôs ele. Uma escrava árabe? Uma erudita? Uma herege? Uma criada? Parece que ninguém sabe assim muito bem quem tu és. Um animal à guisa do licorne, que se diz ser muito estranho e assombroso mas que, na verdade, raramente se vê e, provavelmente, não serve para nada. Oh, não sei bem, disse ela, muito à vontade. Fui educada pela minha belíssima mãe de pele escura numa terra estranha para ter sempre a certeza de quem sou, mesmo que mais ninguém o saiba. Um licorne, deveras, disse ele. Ela sorriu. Talvez. Certamente que tens o ar de uma jovem senhora de si. Não é nada típico de uma donzela. Mas é evidente que me pergunto o que nos irá acontecer, às duas, admitiu ela com ar mais sério. Temos de encontrar o filho do padrinho de Isolde, o conde Ladislau, e depois temos de o convencer a mandar o irmão dela devolver-lhe o castelo e as terras. E se ele se recusar a ajudar-nos? O que faremos então? Como é que ela voltará para casa? Sinceramente, se ela está ou não enamorada de Luca é o que menos nos preocupa neste momento. A frente deles, Isolde lançou a cabeça para trás e riu-se alto de qualquer coisa que Luca lhe disse ao ouvido.
Pois, ela parece preocupadíssima, observou Freize. Estamos felizes, inshallah, disse ela. Isolde tem a mente desanuviada como não teve durante meses, desde a morte do pai. Se, como pensa o teu papa, o mundo vai acabar, mais vale sermos felizes hoje, e não nos ralarmos com o futuro. O quinto membro do grupo, o irmão Peter, chegou-se a eles com a sua montada. Vamos chegar à vila de Piccolo ao pôr do sol, disse ele. O irmão Luca não devia emparelhar com aquela mulher. Dá um ar... O irmão Peter hesitou, em busca da reprimenda apropriada. Normal? Sugeriu Ishraq com impertinência. Feliz, anuiu Freize. Impróprio, corrigiu o irmão Peter. Quando muito, um ar informal, como se ele não fosse um jovem prometido à igreja. O irmão virou-se para Ishraq. A tua senhora devia viajar a teu lado, as duas de cabeça baixa e olhos no chão como donzelas de mente pura, e só deviam falar uma com a outra, e raramente e sem alarido. O irmão Luca devia viajar sozinho em oração, ou comigo em conversa ponderada. Seja como for, eu tenho as nossas ordens. De imediato, Freize deu uma palmada na própria testa. As ordens lacradas! Exclamou em tom irado. Sempre que estamos a tratar da nossa vidinha e a caminho de algum lado, uma estalagem acolhedora à nossa frente, talvez uns dias sem nada para fazer além de alimentar os cavalos e de descansar, aparecem as ordens lacradas e vamos de escantilhão inquirir sabe Deus o quê!
A nossa é uma missão inquisitiva, disse o irmão Peter em voz baixa. Claro que temos ordens lacradas para eu abrir e ler em determinadas alturas. Claro que temos de ir inquirir. O próprio fulcro desta viagem não é, pense certa gente o que pensar, visitar estalagens acolhedoras, conhecer mulheres; mas, sim, descobrir sinais de que é chegado o fim dos tempos, o fim do mundo. E eu tenho de abrir essas ordens ao ocaso deste dia, e descobrir aonde iremos a seguir e o que vamos inspeccionar. Freize levou dois dedos à boca e soltou um assobio estridente. De imediato, os dois cavalos dianteiros estacaram, obedientes a esse sinal. Luca e Isolde viraram e arrepiaram caminho até onde os outros estavam parados à sombra de uns pinheiros frondosos. O aroma a resina era potente como perfume no ar cálido da tarde. Os cascos dos cavalos pisavam o restolho e as  sombras alongavam-se no chão de areia pálida. Novas ordens, disse Freize a Luca, seu amo, enquanto apontava com a cabeça para o irmão Peter, o qual tirava um manuscrito de cor creme, solenemente lacrado com cera carmesim e fitas, do bolso interior do casaco. Freize virou-se para o irmão Peter e perguntou, curioso: quantas mais é que tem aí guardadas?» In Philippa Gregory, Filhas da Tempestade, 2013, Topseller, 20/20 Edotora, 2015, ISBN 978-989-849-173-2.

Cortesia de Topseller/20/20E/JDACT