quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Histórias de um Portugal Assombrado. Vanessa Fidalgo. «A morte, enquanto interrogação universal sobre o que acontece depois da vida, parece ser o princípio deste fenómeno cultural universal»

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A minha casa está assombrada
«(…) Casa assombrada, é o aparatoso título que usualmente se atribui a um edifício onde acontecem situações insólitas que, sem uma razão plausível, acabam por ser atribuídas à manifestação de entidades sobrenaturais, vulgo fantasmas ou fenómenos de poltergeist, de acordo com a terminologia alemã. O assunto é obviamente controverso e susceptível de muitas crenças e descrenças. Já para não falar em acesas discussões. Mas as histórias de fantasmas existem desde que o mundo é mundo, longe ou aqui mesmo ao lado, e continuam a causar calafrios e interrogações, apesar do estado de conhecimento e progresso que a civilização actual alcançou. Há casos mundialmente famosos relatados pela parapsicologia, como o da célebre mansão de Raynham Est, em Norfolk (Inglaterra), onde foi tirada a foto da silhueta enevoada da badalada Dama de Marrom a descer as escadas. Apregoa-se que o fantasma visto na fotografia é de Dorothy Townshed, trancafiada pelo marido numa ala da casa por suspeitas de traição. Dorothy morreu oficialmente de varíola, porém, muitos acreditam que o marido vingativo a empurrou escadaria abaixo, sítio onde ela ainda procura o filho de cinco anos. Divulgada em centenas de livros, jornais e revistas pelo mundo fora, esta fotografia passou a ser talvez a mais famosa imagem de um fantasma, num mundo sequioso de provas materiais. Há também o caso de Amityville, onde reza a história que em 1976 a família Lutz foi severamente atormentada por espíritos durante os curtos 27 dias que viveu numa casa da pequena cidade norte-americana e onde se ouvia constantemente o som de uma banda marcial a tocar. Esta narração, muito popular em terras do tio Sam foi, aliás, passada para a tela com o nome de Horror em Amityville, o que lhe valeu um estatuto mítico no ranking dos sítios mais assombrados do mundo.
Mas o que é afinal um fantasma? Para começar, é um conceito que a maioria teme, alguns desprezam e outros tantos já tentaram explicar. Também denominado por espectro, aparição ou alma penada, baseia-se na ideia de que o espírito existe separadamente do corpo e, portanto, quando a matéria morre, o espírito perdura. Reside precisamente nesta crença, comum a várias filosofias e religiões, o tradicional hábito da cerimónia fúnebre, enquanto conjunto de rituais que concedem o eterno descanso àquele que deixou o mundo dos vivos, assegurando-se assim que não volte para assombrar os vivos. A mais usada frase dos obituários, descanse em paz, comprova a crença. A morte, enquanto interrogação universal sobre o que acontece depois da vida, parece ser o princípio deste fenómeno cultural universal, julga a antropologia. Mas os fantasmas e, por conseguinte a existência ou não de casas assombradas, são um tema que obviamente nada tem de consensual. O catolicismo rejeita-os veementemente e a ciência encara-os com grande cepticismo. A parapsicologia, que se dedica concretamente ao estudo e análise de tais fenómenos, atribui-os à energia somática. Outras correntes filosóficas, como a doutrina espírita, admitem não só a existência do espírito como a possibilidade de se poder com ele comunicar. Um imbróglio para quem tentar procurar a verdade ao fundo do túnel.
O nosso corpo tem energia, que se transforma segundo os efeitos que realiza. É energia motora quando anda, energia sonora quando fala, etc. Mas em períodos particularmente difíceis da vida, a energia emanada pelo ser humano pode produzir fenómenos de efeito físico, como mexer pequenos objetos inconscientemente, aos quais a parapsicologia dá o nome de telergia. À libertação dessa mesma energia chama-se psicorragia. Esses fenómenos sobrenaturais nunca acontecem, todavia, a mais de cinquenta metros da pessoa que o produz, sendo mais frequentes a cinco ou seis metros. Quer isso dizer que não existem casas assombradas, apenas fenómenos energéticos produzidos pelas pessoas que estão dentro delas. As assombrações são um produto dos vivos e não dos mortos explica a parapsicóloga Luísa Albuquerque. Muito antes do surgimento da parapsicologia, no século XVIII, já Franz Mesmer, médico, criador da teoria do magnetismo animal e também estudioso dos fenómenos energéticos do corpo, tinha distinguido vários subtipos de telergia passíveis de serem produzidos pelo homem: fenómenos de luz (fotogénese), som (tiptologia), fogo (pirogénese) e movimento (telecinesia). A negação da possibilidade do espírito se manifestar após a morte afronta, porém, outras correntes de pensamento como, por exemplo, o espiritismo». In Vanessa Fidalgo, Histórias de um Portugal Assombrado, 2012, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-371-3.

Cortesia de EdosLivros/JDACT