A Montagem de uma Conspiração. Debates de Comando e Direcção
«(…) Esta orientação dissimulada do conde de Barbacena era apenas um dos
elementos que, no complexo meio realista da capital, entorpecia o funcionamento
efícaz da JN. Com efeito, o papel desta última e as suas funções começavam a
ser discutidos, sem que para isso se tomasse como necessária a consulta de
Ribeiro Saraiva. O alargamento da JN ou a criação de uma nova estrutura
dirigente, dotada de poderes mais amplos são as propostas que mobilizam um
agitado debate no seio das hostes legitimistasse. As consequências imediatas
deste debate são a inactividade da JN e um distanciamento em relaçáo a Ribeiro
Saraiva, com a consequente subalternização de Pereira Coutinho. Este último,
juntamente com José Lencastre colocam a hipótese de se demitirem. Do seu lado estariam
alguns notáveis da província que, na sua ligação, tinham começado a organizar-se
(Cândido Figueiredo Lima e António Taveira Pimentel Carvalho). O isolamento de
Vilar de Perdizes condenava-o a um ostracismo, sentido com particular
intensidade:
Ora aqui digo, e juro á face de Deus e pela minha honra que se entendem,
que eu não convenho, se eu sou ou posso servir do menor estorvo á cauza, a
maneira de mais me honrarem é contar com o meu desenteresse, com a minha
lealdade, com a minha prudencia, toda resignação, toda fidelidade a El Rei, e
deichem-me em paz, [...], mas pelo Ceo, pelas cinco chagas do Nosso Redemptor
ponha-se hum termo, se é possível polo-o, a este jogo [...].
Vilar de Perdizes não se opunha efectivamente à discussão sobre o modo
de dirigir e organizar a reacção armada contra o Estado liberal, visando mudar
ou corrigir a estrutura já existente. A sua oposição dirigia-se contra o facto
de os canais de autoridade (o Centro de Londres), legitimamente instituídos por
dom Miguel, serem completamente marginalizados nesses planos de reforma. Neste
contexto, a postura do conde de Barbacena mantinha a ideia de uma articulação
necessária com Londres, mas considerava desadequado e perigoso o sistema de
comunicação existente. Este implicava a desnecessária referência pormenorizada
acerca do progressivo avanço da Causa. Esta posição legalista de Pereira
Coutinho manifestava uma absoluta coerência com a sua persistente fidelidade
aos planos de Ribeiro Saraiva. Além disso, apesar de tudo, a JN já tinha
conseguido aliciar influências e agentes em diversos pontos da província, ou
aproveitado empenhamentos espontâneos. Neste caso a urgência ia no sentido de
um reforço e alargamento da organização. Os debates de Lisboa eram, porventura,
demasiado distantes e especializados para motivarem as forças locais. O que as
áreas regionais acabavam por sentir era o efeito paralisante das divisões existentes
no campo realista, sobretudo sensíveis em Lisboa. Vilar de Perdizes fazia o seu
diagnóstico:
De hum lado (de V. Exa [António Ribeiro Saraiva]) os que querem a salvação
do Rei, e da Pátria, e para defender objectos tão caros não buscamos, posto,
mas entramos na fileira. Queremos reconstruir o Templo do Senhor, o Paço do
Rei, as fra[n]quias do Povo, [...]. Antepassados, pergaminhos, tambem por cá os
ha; mas não se conhece fatuidade, [...]. Esta nossa falange é certa, é a grande
força do exercito. No outro campo, ou mais propriamente Ala ha tambem boa
vontade, honra, e fidelidade, mas ha achaques de educação, e erros, e
perjuizos, segundo a este e, aquele cabem, sendo mui commum a todos elles nada
terem esquecido, nada terem aprendido, [...].
Deste modo, os preparativos visando o estabelecimento das bases para a
conspiração miguelista careciam de uma instância reguladora indiscutível que
lograsse montar uma estrutura geral de apoio e influência». In
José Brissos, A Insurreição Miguelista nas Resistências a Costa Cabral
(1842-1847), Faculdades de Letras de Lisboa, Edições Colibri, 1997, ISBN
972-8288-80-8.
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