terça-feira, 7 de maio de 2019

A Bala Santa. Luís Miguel Rocha. «A alguns quarteirões da Praça de São Pedro, encontra-se outro admirável templo da Cristandade, a Basílica di Santa Maria Maggiore, o mais antigo lugar de culto do mundo dedicado à Virgem»

Cortesia de wikipedia e jdact

Wojtyla. 13 de Maio de 1981
«(…) Estava em Roma havia três dias e esperava sair do país ainda naquele 13 de Maio, depois de cumprida a tarefa encomendada. Não era de fácil concretização, mas o desafio clamava dentro do seu coração jovem. Assim que superasse o obstáculo com distinção, todos o olhariam com outros olhos, com respeito e admiração, até com algum receio. Alude-se às pessoas integrantes do seu ramo de actividade, obviamente. Os outros, os que formam a chamada sociedade, jamais saberiam da sua existência ou da autoria material no acto que iria mudar para sempre o mundo católico. Matar um papa não era algo de propriamente novo, já outros o haviam feito no passado, o anterior, Albino Luciani, foi disso prova, como bem sabia, mas nunca ninguém o fez aos olhos do mundo em pleno dia, sem esperar pela calada da noite para depois pôr as culpas num coração débil. Este homicídio era muito mais ousado. Matar e andar, no meio de vinte mil pessoas, à luz das cinco da tarde.
Choveu um pouco durante a tarde, mas esta acabou por se render definitivamente ao sol, que cobriu a cidade e o pequeno Estado do Vaticano com um calor primaveril aprazível. A chuva seria, talvez, uma melhor aliada, uma vez que encobriria os seus gestos no meio dos chapéus-de-chuva protectores. Por outro lado, obrigaria a que João Paulo II fosse, ele próprio, acompanhado de um assistente para o proteger com um chapéu-de-chuva. Em último caso, poderia até optar por desfilar num carro fechado. Melhor assim, portanto. Ao sol, o Universo conspirava a seu favor. O crime perfeito não é aquele que não parece ser crime, mas aquele em que não se é apanhado. As ordens haviam sido precisas, matar e andar, disparar e fingir, se fosse capturado, só podiam fazer uma coisa por ele e não passava pela sua libertação. Mas nada de mal iria suceder. Pleno de fé em si próprio, apertou ainda com mais força a coronha do revólver que estava dentro do bolso do casaco. Mais quinze minutos...

A alguns quarteirões da Praça de São Pedro, encontra-se outro admirável templo da Cristandade, a Basílica di Santa Maria Maggiore, o mais antigo lugar de culto do mundo dedicado à Virgem. É também conhecida como Basílica di Santa Maria della Neve, ou Liberiana, em honra de Libério, papa do século IV, a quem a Virgem apareceu em sonhos e ao qual, sob o testemunho do patrício romano João e sua esposa, pediu que se construísse uma capela, em Roma, no local onde viesse a nevar por aqueles dias. Tal variação climática veio a acontecer, de facto, em pleno Verão, na noite de 4 para 5 de Agosto do ano 358, no monte Esquilino. Ora, sendo Libério o papa, esqueceu o pedido humilde da Virgem e traçou um esboço na neve daquilo que viria a ser um enorme santuário. Porém, só um século depois, no papado de Sixto III, logo após o Concílio de Éfeso, aquele que confirmou a maternidade divina de Maria e veio tornar legal aquilo que já se sabia há cinco séculos, a existência do Filho de Deus, concebido sem pecado, é que foi construída a basílica, ainda maior do que previa o projecto inicial do santuário de Libério que lhe foi consagrada. É este mesmo edifício sacro que, mais restauração, menos restauração, se ergue nos dias actuais no monte Esquilino e que todos os 5 de Agosto se vê inundado de pétalas brancas, simbolizando a neve que nunca mais voltou a cair, literalmente, em pleno Verão. A amada Maria, Senhora da Terra, acolhida sob o signo de Salus Populi Romani.
Às cinco da tarde daquele dia 13 de Maio, entrou nestes domínios um purpurado que caminhava em passos largos, percorrendo a portentosa abside, ignorando fiéis e turistas e, por acréscimo, os deslumbrantes mosaicos do frade franciscano Jacopo Torriti, originários da época em que o frade viveu, o século XIII, e que retratam a Coroação da Virgem. Tão-pouco prestou atenção às ancestrais colunas de mármore atenienses que suportavam a nave e serviram de molde a muitas outras estruturas idênticas do mundo católico ou à tumba onde Gian Lorenzo Bernini descansa para a eternidade». In Luís Miguel Rocha, Bala Santa, Cavalo de Ferro Editores, Paralelo 40, Lisboa, 2007, ISBN 978-989-813-400-4.  

Cortesia de CFerro/JDACT