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Finalmente o director do Instituto mandou chamar Barrett para uma entrevista
particular. O director falou e Barrett ouviu, assombrado. O seu pedido para se
iniciar uma investigação, a ser continuada por acção judicial ou audiência,
fora rejeitado pela junta administrativa. As provas tinham sido consideradas
demasiado inconsistentes e, ademais, oh, ademais, simplesmente não era a
espécie de caso bem definido em que o Instituto desejasse ver-se envolvido. A
incredulidade e espanto de Barrett duraram apenas quarenta e oito horas. Por
fim, após discretas averiguações, descobriu a verdade. Um dos grandes
patrocinadores e principais contribuintes do Instituto era o próprio
laboratório farmacêutico que tentara denunciar. No dia seguinte, Mike Barrett
pedia a demissão do quadro de funcionários do Instituto de Utilidade Pública. Abe
Zelkin, que sofrera decepção semelhante, demitia-se pouco tempo depois.
E
então cada um deles tivera de fazer a sua escolha. Barrett lembrava-se
perfeitamente. Zelkin foi o primeiro: mudou-se para a Califórnia, sendo
admitido na Ordem, e ocupando um cargo na sucursal de Los Angeles da União de
Liberdades Civis Americanas. Barrett, porém, tornara-se cínico de mais pelas
realidades da vida, para seguir o exemplo de Zelkin. De modo que optou por algo
bastante diverso. Quando não se pode lutar, a gente alia-se. Aliou-se ao mundo
do poder, dos grandes negócios, das grandes administrações. Se queria continuar
como benemérito, iria concentrar-se em praticar o bem de uma só pessoa: ele
mesmo. O nome do jogo dos adultos era dinheiro. Também seria adulto.
Significava dizer adeus a todos os salários de oito mil dólares anuais e às
gratificações de seja-fiel-a-si-mesmo. E dar boas-vindas a uma nova vida de
dezoito mil dólares anuais e a um objectivo diferente, que era: tornar-se, por
todos os meios, por osmose, por prática, por associação, um dos Tais, um dos
poderosos. A vida nova começou com um cargo de sócio secundário de uma vasta
banca de advocacia na Madison Avenue, uma colmeia de quarenta advogados,
especialistas em tratar de sociedades anónimas. Tinham sido dois anos tediosos.
O trabalho era técnico, pesado, monótono. Raramente encontrava oportunidade de
falar com um constituinte e nunca entrara numa sala de tribunal, a arena que
tanto apreciara nos seus dias de Instituto. Esperavam que aplicasse as suas
horas livres em participar de actividades cívicas e culturais nova-iorquinas. Como
prescreviam os decanos da firma. As oportunidades de progresso económico
significativo eram escassas. E como se sentia miserável, irrequieto e
mal-humorado, levava também uma vida social limitada e pobre. Tivera duas
relações amorosas, a primeira com uma bonita morena divorciada, a segunda com
uma ruiva inteligente, manequim de modas, e embora ambas houvessem sido
fisicamente satisfatórias, não o satisfizeram em nenhum outro sentido. Como se
entediava consigo mesmo, entediava-se também na companhia alheia.
A
sua situação começou a ficar mais clara. Tentara passar para o outro lado, para
parar de os combater, para se aliar a eles, para se transformar num deles. Ah,
eles acolhiam cada Fausto de braços abertos, aliciando com deslumbrantes
promessas, permitindo que todos comessem brioches em lugar de pão, e depois
designavam-nos para trabalhos forçados na masmorra da lei das sociedades
anónimas, consolidações de empresas e arrecadações de impostos; e jogavam a
chave longe. Sim, ficou mais clara. Podia servir os poderosos, mas não era
fácil aliar-se a eles, porque não havia lugar suficiente lá em cima, porque
alguém tinha de os servir e porque a magia que irradiavam era realmente
inassimilável. Ou pelo menos assim parecia a Barrett, no auge do desespero,
naquela época. Precisava de uma mudança drástica e, um dia, a possibilidade de
mudar apresentou-se. Numa das cartas que lhe escrevia mensalmente, Abe Zelkin
mencionou os vários cargos bem remunerados que se ofereciam a advogados hábeis
e experientes em Los Angeles. O próprio Zelkin recebera diversas propostas, sem
aceitar nenhuma, embora reconhecesse que uma ou duas tinham sido magníficas e
até fascinantes. A sedução da Califórnia, a partir de então, cresceu na
imaginação de Barrett e, pouco tempo depois, tomava a decisão e fazia as malas».
In
Irving Wallace,
Os Sete Minutos, Coleção Dois Mundos, Livros do Brasil, 1988, ISBN 978-972-380-948-0.
Cortesia
de CDMundos/LdoBrasil/JDACT