domingo, 19 de maio de 2019

Poemas Completos de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. «Que horas que te não tornem da estatura da sombra que serás quando fores na noite e ao fim da estrada»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Palidez do Dia
«(…) A palidez do dia é levemente dourada.
O sol de Inverno faz luzir como orvalho as curvas
Dos troncos de ramos Secos.
O frio leve treme.

Desterrado da pátria antiquíssima da minha
Crença, consolado só por pensar nos deuses,
Aqueço-me trémulo
A outro sol do que este.

O sol que havia sobre o Pártenon e a Acrópole
O que alumiava os passos lentos e graves

De Aristóteles falando.
Mas Epicuro melhor
Me fala, com a sua cariciosa voz terrestre
Tendo para os deuses uma atitude também de deus,
Sereno e vendo a vida
À distância a que está».

Não Tenhas Nada nas Mãos
«Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,

Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,

Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.

Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?

Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?

Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra

Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.

Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.

Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio».
In Fernando Pessoa, Obra Completa de Ricardo Reis, Tinta da China, 2016, ISBN 978-989-671-345-4.

Cortesia de TintadaChina/JDACT