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«(…) Os nossos olhares
cruzaram-se de novo, o que me fez sobressaltar. Jane mudara. Não fisicamente,
continuava a mesma, sempre bela, mas havia-lhe acontecido algo que lhe
endurecera as feições, apesar do seu sorriso, um sorriso triste, nostálgico, a
que correspondi sem me aperceber. Já tens conhecimento do crime?, perguntou
Jane. Sim, respondi. Sabes quem era a vítima? Jane baixou os olhos, recuou
alguns passos, passou a mão pelo rosto e só depois se aproximou novamente de
mim. O seu olhar ensombrou-se quando murmurou: chamava-se Peter Ericson, era o
chefe da nossa expedição. Tudo aconteceu anteontem, durante a noite. Fui eu que
o encontrei, na manhã seguinte, quando vim até aqui. Quem mais o viu? Os outros
membros da nossa equipa. Regressaram imediatamente ao acampamento para chamar a
polícia. Eu fiquei aqui, sem saber o que pensar... Ele estava salpicado de
sangue. Sete marcas ao todo, como sete sinais. E vestia uma estranha túnica de
linho branco.
Silêncio.
Têm de partir, Jane...
Então, é isso?, ripostou ela.
Querem assustar-nos, para nos afastar de Qumran? O que procuravam aqui?,
murmurei. Seguíamos as indicações da lista incluída no Rolo de Cobre. O Rolo de
Cobre?, interroguei, atónito. De todos os rolos encontrados em Qumran, este era
o mais enigmático, por ser o único de metal. Além do mais, era de muito difícil
interpretação, mas parecia que continha uma lista de locais onde podia haver um
tesouro fabuloso. Eu sei, continuou Jane. Algumas pessoas pensam que essa lista
se refere apenas a tesouros imaginários extraídos do folclore judaico da época
dos Romanos. Mas, nós... Ou melhor, o professor Ericson estava convencido de
que as descrições do rolo eram demasiado realistas para serem apenas produto do
imaginário colectivo. E como te envolveste... Como acabaste por participar
nessa..., caça ao tesouro? Há dois anos, pouco depois da tua partida para as
grutas, resolvi juntar-me à equipe do professor Ericson, que procedia a
escavações aqui.
Mas como conseguiu decifrar o
Rolo de Cobre?, perguntei. É um texto tão..., crítico. Existem formas
diferentes de lê-lo. Ericson conseguira reconstruir frases completas. A
sério...? E obtiveram bons resultados? Julgas que o seu assassínio está
relacionado com as nossas investigações, não é verdade? É uma possibilidade... Observei
atentamente Jane. Se bem que continuasse à minha frente, empertigara-se e
recuara mais um pouco, numa atitude de desconfiança. Quem vos financia?,
continuei. Diferentes grupos judaicos religiosos, ortodoxos ou liberais, e recebemos
igualmente ajuda de fontes privadas internacionais. Mas os que trabalham aqui
não têm qualquer salário, somos voluntários. Apenas nos dão de comer e
alojamento. E encontraram alguma coisa? É uma investigação que requer muito
tempo, Ary... Ao fim de cinco meses, descobrimos um silo, com kethorite,
um incenso usado no templo. Mas tudo isso parece agora tão irrisório... Jane
tirou uma folha do bolso e entregou-me. É uma cópia de parte do Rolo de Cobre.
Como podes ver, o texto assemelha-se a uma grelha. É preciso lê-lo na diagonal.
Seguindo as suas instruções li-o, em voz alta: Bekever she banahal ha-kippa...
O túmulo que se encontra na ribeira da cúpula...
Jane indicou, com a ponta do
dedo, uma outra passagem. Entre Jericó e Sacara... Existem dois eixos...
Norte-sul e este-oeste... E o tesouro estaria no cruzamento desses dois eixos,
certo? Foi lá que encontrámos uma pequena ânfora de óleo. Ericson
julgava que se tratava do que era
usado no santuário de Jerusalém. Mas, e quanto ao tesouro em si? O rosto de
Jane iluminou-se com um sorriso triste. Nada. De seguida, sentou-se numa pedra.
Já
nada sei desde ontem, Ary... Estava calor, o sol batia nas nossas cabeças,
parecia que ardíamos no inferno. Mesmo assim, avançamos, passando os cantis uns
aos outros, mas a água estava morna. Caminhávamos juntos, sem sentir o cansaço.
Dirigíamo-nos para Khirbet Qumran. Com os nossos bastões, mais parecíamos um grupo
de patriarcas e nada nos podia deter. Nem o calor, nem as serpentes, nem os
escorpiões. Naquela manhã, ele não nos acompanhou quando saímos do acampamento.
Pensámos que se nos juntaria mais tarde... A certa altura, parámos para comer e
foi quando me afastei do grupo..., e o vi. Pedi a Jane que me levasse ao
acampamento onde os arqueólogos se haviam instalado. Sem me fazer qualquer
pergunta, conduziu-me, no seu jipe, durante alguns quilómetros, por entre uma
paisagem árida, até ao acampamento, situado ao lado do kibutz que ficava perto
de Qumran. Era um bivaque improvisado, não mais do que algumas tendas de tela
áspera e usada, dispostas na base do Penhasco, que fora abandonado à pressa,
como se os seus ocupantes tivessem sido confrontados com uma terrível ameaça». In
Eliette Abecassis, O Tesouro do Templo, 2001, Círculo de Leitores, ISBN
972-423-086-4, Editora Livros do Brasil, colecção Suores Frios, 2003, ISBN
978-972-382-671-5.
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