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Milão. Corte Vecchia. 7 de Fevereiro de
1496
«(…) Gian Giacomo levantou-se e
aproximou-se da mesa, ainda titubeante. Depois voltou a fechar o embrulho e
desceu ao piso inferior. Voltou poucos minutos depois, com o membro na mão, sem
o cartucho ensanguentado. Leonardo pegou nele e observou-o atentamente. Bela mão,
disse. Não tem calos, não é uma mão de camponês, nem de guerreiro. Mas também
não é de um príncipe. A menos que... Já sei: é a direita de um canhoto. Um
canhoto como o mestre, disse o rapaz, sabe do que fala. Ao contrário de mim, é
um canhoto que foi obrigado a corrigir-se, que para escrever, mas provavelmente
só para escrever, usa precisamente esta mão: tem um resto de tinta no
indicador; sinal de que sabia escrever, e devia fazê-lo com frequência… Talvez,
disse Gian Giacomo, quem a perdeu ainda esteja lá. Se nos despacharmos, procuramos
o proprietário e podemos devolvê-la. Mas também podemos esbarrar com o seu
perseguidor, que, ao que parece, está armado com machado ou cimitarra: o corte
é limpo, como o de um carrasco experiente ou de um estradiota albanês,
conheces? Há vários na cidade, sobreviventes da guerra contra os franceses de
Carlos VIII. Foram mandados pelos venezianos e são famosos pela sua ferocidade:
armados à turca, decapitam os inimigos com mais facilidade do que tu a cortar
um caciocavallo. E depois, diz-me uma coisa, o que faz agora o
ex-proprietário com a sua direita? Guarda-a numa caixa como recordação? Mas a
nós, pode-nos ser útil.
Salai não lhe perguntou para quê,
já percebera. Aquela mania do seu mestre de desmontar as coisas, de as abrir,
até os mortos, homens, cavalos ou pássaros que fossem, para lhes perceber (ou arrancar)
o funcionamento. Mania que ele não compreendia. Ao menos ele roubava, a sua
fixação não exigia particulares explicações, o ganho de um furto era evidente. Mas
o que se ganhava ao abrir cadáveres? Era só uma coisa nojenta, uma paixão
mórbida, pior do que a sua. Por outro lado, contudo, nunca se poria a dar lições
de moral ao seu mestre. O seu mestre era bom e não tinha culpa alguma de tudo o
que lhe acontecera, motivo pelo qual não conseguia ter paz, nem nunca
conseguiria.
Investigaremos com calma,
continuou Leonardo, talvez para tranquilizá-lo. Um homem sem mão, se ainda
estiver vivo, não passa despercebido, nem um estradiota armado com uma cimitarra.
Dito isto, trabalhou a mão como se fosse de barro, colocou-a numa pose
lisonjeira, depois pegou na sanguina e desenhou-a numa folha de papel.
Desenhava tudo, com extrema rapidez». In Francesco Fioretti, A Biblioteca Secreta
de Leonardo, 2018, Marcador Editora, Editorial Presença, 2019, ISBN
978-989-754-394-4.
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