quinta-feira, 16 de maio de 2019

A Herdeira. Sydney Sheldon. «Quando as minas foram reabertas, houve outra espécie de inferno. Quase toda a família de Rhys tinha morrido nas minas. Alguns haviam morrido nas entranhas da terra, outros consumiram…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Istambul, Sábado, 5 de Setembro. 22 horas
«(…) Tinha de ser uma comunicação pela imprensa. A notícia ia percorrer os círculos financeiros internacionais como uma crise financeira, era essencial que o impacto da morte de Sam Roffe fosse reduzido ao mínimo. Cabia a Rhys conseguir isso. Rhys Williams conhecera Sam Roffe havia nove anos. Rhys tinha então, vinte e cinco anos e era gerente de vendas de uma pequena firma de produtos farmacêuticos. Era brilhante e gostava de inovar, tendo feito a firma se expandir. Com isso, a sua reputação havia crescido. Recebera uma proposta para trabalhar na Roffe and Sons, e, logo depois de recusá-la, soube que Sam Roffe comprara a companhia em que ele trabalhava e mandara chamá-lo. Ainda se lembrava do poder dominador de Sam Roffe naquele primeiro encontro. O seu lugar é aqui na Roffe and Sons, havia-lhe dito Sam Roffe. Foi por isso que comprei aquela companhia trôpega em que você trabalhava. Rhys sentiu-se lisonjeado e irritado ao mesmo tempo. E se eu não quiser continuar? Sam Roffe sorrira e respondera, cheio de confiança: nós temos uma coisa em comum, Rhys. Somos ambiciosos. Queremos ser donos do mundo. E eu vou mostrar-lhe como se consegue isso. Essas palavras foram mágicas. Representavam a promessa de um banquete para a fome que ardia no íntimo de Rhys. De facto, ele sabia alguma coisa que Sam Roffe desconhecia. Rhys Williams não existia. Era um mito criado pela descrença, pela pobreza e pelo desespero. Nasceu perto das jazidas de carvão de Gwent e Carmarthen, nos retalhos vales vermelhos do País de Gales, onde camadas de arenito e depósitos de calcário e carvão em forma de pires rasgavam a terra verde. Cresceu numa terra fabulosa, onde os próprios nomes exalavam poesias: Penderyn, Brecon, Pen-y Fan, Glyncorrwg e Maesteg.
Era uma terra de lenda, onde o carvão que se achava no fundo da terra se formara duzentos e oitenta milhões de anos antes, onde a paisagem fora, em outros tempos, coberta de tantas árvores que um esquilo poderia viajar do Farol de Brecon até ao mar sem pousar as patas no chão. Mas a Revolução Industrial chegou e as belas árvores verdes foram abatidas pelos produtores de carvão vegetal para alimentar as fornalhas insaciáveis da industria do ferro. O garoto cresceu conhecendo heróis de outro tempo e de outro mundo, como Robert Farrer, queimado na fogueira pela Igreja Católica porque não quisera fazer votos de celibato e abandonar a mulher; como o rei Hywel, o Bom, que levara a lei ao País de Gales no século X; e como o destemido guerreiro Brychen, que gerara doze filhos e vinte e quatro filhas e resistira com bravura a todos os ataques ao seu reino. Era uma terra de histórias gloriosas aquela em que o garoto cresceu Mas nem tudo era glória. Os antepassados de Rhys haviam sido mineiros, e o jovem costumava ouvir os casos de sofrimentos que o seu pai e os seus tios contavam. Lembravam os terríveis tempos em que não havia trabalho, em que as ricas jazidas de carvão de Gwent e Carmarthen foram fechadas em consequência de uma amarga luta entre as companhias e os mineiros e em que estes foram reprimidos por uma pobreza que corroeu a ambição e o orgulho, solapando o espírito e a força dos homens até fazê-los capitular.
Quando as minas foram reabertas, houve outra espécie de inferno. Quase toda a família de Rhys tinha morrido nas minas. Alguns haviam morrido nas entranhas da terra, outros consumiram, tossindo, os pulmões enegrecidos. Poucos tinham passado dos trinta anos de idade. Rhys costumava ouvir o pai e os tios falarem do passado, do desmoronamento, dos mineiros invalidados e das greves. Falaram dos bons e dos maus tempos, e o garoto não via qualquer diferença entre uns e outros. Todos eram maus. A ideia de passar a vida dentro da escuridão da terra o apavorava, e ele sabia que tinha de fugir. Saiu de casa aos doze anos. Abandonou os vales do carvão e foi para a costa, para a baía de Sully Ranny e para Lavernock, para onde corriam os turistas ricos. Foi mensageiro, carregador, ajudava as senhoras a descerem os caminhos escarpados para a praia, carregando cestas de piquenique, dirigiu um carro de póneis em Penarth e trabalhou no parque de diversões de Whitmore Bay. Estava apenas a algumas horas de casa, mas a distância já era incomensurável. A gente do lugar onde ele estava parecia pertencer a outro mundo. Rhys Williams nunca imaginara que as pessoas pudessem ser tão belas ou usar roupas tão magníficas. Toda a mulher lhe parecia uma rainha, e os homens eram elegantes e esplêndidos». In Sydney Sheldon, A Herdeira, Edições ASA, 2018, ISBN 978.989-234-299-3.

Cortesia de EASA/JDACT