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No ponto seguinte são apresentados exemplos de
passagens dos textos antologiados que, na perspectiva do acusador, consubstanciam
a afirmação anterior. A consideração do conjunto suscita várias observações, a
começar pelo facto de os trechos apresentados, sendo numerosos (29),
pertencerem a um leque relativamente pequeno de autores (11), de um modo geral
próximos de nós no tempo. De facto, são apenas seis os poetas não
contemporâneos, três do século XVIII (António Lobo Carvalho, com quatro exemplos,
José Agostinho Macedo, com três, e Bocage, com nove) e três do século XIX ou que
nesse século maioritariamente exerceram a sua actividade (Sebastião Xavier
Botelho, com um trecho, José Anselmo Correia Henriques, com dois, e Guerra
Junqueiro, com um). Os restantes cinco eram contemporâneos, do século XX,
embora só os dois últimos estivessem vivos em 1966: Silva Tavares, faleceu em 1963,
com um exemplo; Carlos Queiroz, faleceu em 1949, também com um; Francisco Eugénio
Santos Tavares, faleceu em 1963, com cinco; Natália Correia, com um; Luiz
Pacheco, morreu em 2008, também com um. Olhando depois para os trechos citados
pelo acusador, verifica-se que houve uma clara secundarização da vertente
satírica, apesar do conteúdo sociopolítico que ela apresenta em alguns casos,
valorizando-se quase que em exclusivo a dimensão erótica e, dentro desta, o uso
do chamado palavrão, em particular o que designa órgãos e práticas sexuais (v.g.
co…/co…, crica, cu, cagueiro, ca…, ca…, car…, porra, arquipor…, pica, piça, mangalho, co…, pente…, fo…, forni…, lang…, mi…, cor…, pu…). A
leitura parece pois ter sido feita em diagonal, de meio do volume para a frente
(além dos poetas medievais, ficaram de fora vários clássicos), e com o mero
objectivo de encontrar palavras e expressões que chocassem, quod erat demonstrandum.
O terceiro aspecto menos conhecido do processo diz respeito aos
arguidos, seus advogados e testemunhas arroladas. Quanto aos primeiros, são bem
sabidos os que acabaram por sair condenados: Natália Correia, o editor Fernando
Ribeiro Melo e os poetas Mário Cesariny Vasconcelos (1923 - 2006), Luiz
Pacheco, Ary dos Santos (1937 - -1984) e EM. Melo Castro (1932). Houve contudo
mais dois arguidos: Geraldo Soares, jornalista de O Século, e Francisco Marques Esteves, empregado de
escritório, que forneceram a Natália Correia inéditos de poetas contemporâneos já
falecidos à época (como Silva Tavares, António Botto [1897 - 1959] ou Carlos
Queiroz). O primeiro desses dois implicados virá a morrer no decurso do
processo, a 1-IV-1967 (f. 166), vítima de tumor pulmonar, ao passo que o
segundo será absolvido. Quanto aos advogados, podemos dizer que os arguidos, e
depois acusados, foram representados pela fina-flor da advocacia da época que militava
na oposição ao regime: Manuel João Palma Carlos (falecido em 2001, aos 86 anos,
na sequência de um incêndio que atingiu o lar de idosos em que vivia e que
vitimou mais cinco ocupantes), o qual defendeu Natália Correia, Ribeiro Melo e
Francisco Marques Esteves; Fernando Luso Soares (morto em 2004 e que se
destacou também como ficcionista, ensaísta e dramaturgo), advogado de Mário
Cesariny; Francisco Salgado Zenha (desaparecido em 1993), que tinha como
constituinte Melo Castro; José Vera Jardim (1939), que representou Ary dos
Santos (embora a dada altura subestabeleça num colega); e ainda Francisco
Vicente, que acompanhou Artur Geraldo Soares, e um advogado oficioso atribuído
a Luiz Pacheco que seria mais tarde substituído por António Sousa. É curioso
notar que dois dos elementos desta pequena lista viriam a ser ministros da justiça
depois da Revolução dos Cravos (Salgado Zenha e Vera Jardim) e que um
outro, Palma Carlos, teve o mesmo destino dos exemplares da Antologia apreendidos pela
PIDE: a destruição pelo fogo. Sinais dos tempos, certamente, sobre os quais
importa meditar». In Francisco José Jesus Topa, A Sádica Nostalgia das
fogueiras do Santo Ofício: o processo judicial contra a Antologia de Poesia
Portuguesa Erótica e Satírica, Revista Historiae, Universidade do Porto, Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada,
Espólio de Natália Correia, Torre do Tombo, Tribunal de Comarca de Lisboa, 4.º
Juízo Criminal, 2015.
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