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Do
Desejo (1992)
[…]
E por que haverias de querer
minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas,
deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que
gostávamos.
Mas não menti gozo prazer
lascívia
Nem omiti que a alma está além,
buscando
Aquele Outro. E te repito: porque
haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
Pulsas como se fossem de carne as
borboletas.
E o que vem a ser isso?,
perguntas.
Digo que assim há-de começar o
meu poema.
Então te queixas que nunca estou
contigo
Que de improviso lanço versos ao
ar
Ou falo de pinheiros escoceses,
aqueles
Que apetecia a Talleyrand cuidar.
Ou ainda quando grito ou
desfaleço
Advinhas sorrisos, códigos,
conluios
Dizes
que os devo ter nos meus avessos.
Pois pode ser.
Para pensar o Outro, eu deliro ou
versejo.
Pensá-LO
é gozo. Então não sabes? Incorpóreo é o desejo».
Da
Noite
«Vi as éguas da noite galopando
entre as vinhas
E buscando meus sonhos. Eram
soberbas, altas.
Algumas tinham manchas azuladas
E o dorso reluzia igual à noite
E as manhãs morriam
Debaixo de suas patas encarnadas.
Vi-as sorvendo as uvas que
pendiam
E os beiços eram negros e
orvalhados.
Uníssonas, resfolegavam.
Vi as éguas da noite entre os
escombros
Da paisagem que fui. Vi sombras,
elfos e ciladas.
Laços de pedra e palha entre as
alfombras
E vasto, um poço engolindo meu
nome e meu retrato.
Vi-as tumultuadas. Intensas.
E numa delas, insone, me vi.
Que canto há-de cantar o que
perdura?
A sombra, o sonho, o labirinto, o
caos
A vertigem de ser, a asa, o
grito.
Que mitos, meu amor, entre os
lençóis:
O que tu pensas gozo é tão finito
E
o que pensas amor é muito mais.
Como cobrir-te de pássaros e
plumas
E ao mesmo tempo te dizer adeus
Porque imperfeito és carne e
perecível
E o que eu desejo é luz e
imaterial.
Que canto há-de cantar o
indefinível?
O toque sem tocar, o olhar sem
ver
A alma, amor, entrelaçada dos
indescritíveis.
Como
te amar, sem nunca merecer?
[…]
Hilda
Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa Duarte,
Literatura brasileira século XX, Wikipédia.
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