sexta-feira, 10 de maio de 2019

O Tesouro do Templo. Eliette Abecassis. «Estou contente por te ver aqui, Ary, exclamou. Depois, voltou-se para Jane. Como está? Vai-se andando..., respondeu ela. Shimon aproximou-se e murmurou-lhe: pensavas que tinha partido para a Síria»

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«(…) Apenas um homem, dos seus cinquenta anos, cabelos grisalhos e lisos, separados por uma risca ao lado, pele encarniçada pelo sol e as têmporas reluzentes de suor, se encontrava sentado numa cadeira, em frente de uma das tendas. Imobilizado pelo calor, parecia dormitar. Quando nos dirigimos para a de Peter Ericson, Shimon Delam, saiu de lá acompanhado por dois polícias. Mal me viu, avançou para mim com passos rápidos. Fitámo-nos, olhos nos olhos, para nos analisarmos um ao outro, como havíamos aprendido no exército, táctica que nos permitia adivinhar os pensamentos secretos de outra pessoa. Continuava o mesmo: moreno, de feições finas, olhos quase rasgados, baixo, anafado, mordiscando o seu eterno palito, que fazia as vezes do cigarro. Na sua testa, estava desenhada a letra, J nun, que representa a fidelidade, a modéstia e, na sua forma final, evoca a recompensa prometida ao homem justo. Assim, nun é a letra da justiça. Estou contente por te ver aqui, Ary, exclamou. Depois, voltou-se para Jane. Como está? Vai-se andando..., respondeu ela. Shimon aproximou-se e murmurou-lhe: pensavas que tinha partido para a Síria. Não, preferi ficar por cá. Voltando-se novamente para mim, brindou-me com um sorriso. Estava visivelmente satisfeito. Estou contente por ver que aceitaste, Ary. Mas..., protestei, eu ainda não disse que... Sabes bem quanto precisamos de ti, atalhou Shimon. Foste brilhante, da última vez... Não há ninguém como tu para recrutar ajudantes..., comentei, mas... Só tu poderias ter resolvido aquele mistério, tal como agora. Se queres saber a minha opinião, penso que se nos depara uma história de uma outra época, que só um arqueólogo, um escriba, um... essénio, não é assim que se chamam?, que em tempos foi soldado pode compreender.
Eu ainda não aceitei, Shimon. Por isso mesmo insistiu ele mordiscando calmamente o seu palito estou aqui para te convencer, de uma vez por todas. Sou todo ouvidos. Este caso... Antes de continuar, Shimon voltou-se para Jane, que de imediato se afastou. Não, Jane, pode ficar. Shimon fez nova pausa, tirou o palito da boca e esmagou-o no chão como se fosse um cigarro. Não vou estar com grandes rodeios. Um homem foi assassinado, um arqueólogo que procurava um tesouro, baseando-se num manuscrito de Qumran. Ora esse tesouro pode ter pertencido aos essénios, não é verdade, Ary? Enganas-te, intervim. Os essénios nada possuem, intitulam-se os pobres. Justamente, continuou Shimon, com um sorriso sarcástico. Esse pequeno pecúlio seria muito bem-vindo... Não vejo qual a relação..., repliquei, encolhendo os ombros. Eu esclareço-te: nós estamos convencidos de que os essénios estão envolvidos neste caso... Aquelas palavras fizeram-me estremecer. A quem te referes quando dizes nós, Shimon? perguntei, em tom ríspido. Ao Shin Beth. Vocês têm conhecimento da existência dos essénios? Claro que sim.
Não devias falar desse assunto a ninguém, Shimon, murmurei, cerrando os maxilares. Raios, Ary! Estamos a falar dos nossos serviços secretos! O que entra no Shin Beth... Nunca sai de lá, rematei. No entanto, tu, e Jane estão a par, o que se torna perigoso para nós. Parece-me que queres obrigar-me a lembrar-te de que fui eu quem te salvou quando correste perigo, há dois anos. E que também fui eu quem te deixou partir para as grutas sem te denunciar à polícia, quando mataste o rabi. Mas por que razão vocês desconfiam da nossa comunidade? Então, Ary, pára um pouco para raciocinar. Quem, além dos essénios, poderia ter cometido um assassínio ritual nesta região? Quem poderia proceder a um sacrifício que, se bem compreendi, os vossos textos dizem que só pode ser executado no dia do julgamento? Não pude responder àquela pergunta e o rosto de Shimon iluminou-se». In Eliette Abecassis, O Tesouro do Templo, 2001, Círculo de Leitores, ISBN 972-423-086-4, Editora Livros do Brasil, colecção Suores Frios, 2003, ISBN 978-972-382-671-5.

Cortesia de CLeitores/ELBrasil/JDACT