domingo, 12 de maio de 2019

Poemas Completos de Ricardo Reis Fernando Pessoa. «Coroai-me em verdade, de rosas. Rosas que se apagam em fronte a apagar-se tão cedo!»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
Deuses Desterrados
«Os deuses desterrados.
Os irmãos de Saturno,
Às vezes, no crepúsculo
Vêm espreitar a vida.

Vêm então ter connosco
Remorsos e saudades
E sentimentos falsos.
É a presença deles,
Deuses que o destroná-los
Tornou espirituais,
De matéria vencida,
Longínqua e inactiva.

Vêm, inúteis forças,

Solicitar em nós
As dores e os cansaços,
Que nos tiram da mão,
Como a um bêbedo mole,
A taça da alegria.

Vêm fazer-nos crer,
Despeitadas ruínas
De primitivas forças,
Que o mundo é mais extenso
Que o que se vê e palpa,
Para que ofendamos
A Júpiter e a Apolo.

Assim até à beira
Terrena do horizonte
Hiperion no crepúsculo
Vem chorar pelo carro
Que Apolo lhe roubou.

E o poente tem cores
Da dor dom deus longínquo,
E ouve-se soluçar
Para além das esferas...
Assim choram os deuses».

Coroai-me de Rosas
Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade,
De rosas
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
Tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta».
In Fernando Pessoa, Obra Completa de Ricardo Reis, Tinta da China, 2016, ISBN 978-989-671-345-4.

Cortesia de TintadaChina/JDACT