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A
Frescura
«(…)
Ah a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é
positivamente estar no campo!
Que
refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro
melhor agora que passaram as horas dos encontros,
Faltei a
todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei
esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não vinha.
Sou livre,
contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu,
e mergulho na água da minha imaginação.
E tarde
para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,
Deliberadamente
à mesma hora...
Está bem,
ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão
engraçada esta parte assistente da vida!
Até
não consigo acender o cigarro seguinte... Se é um gesto,
Fique
com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida».
Um
Morto
«A
plácida face anónima de um morto.
Assim os
antigos marinheiros portugueses,
Que
temeram, seguindo contudo, o mar grande do Fim,
Viram,
afinal, não monstros nem grandes abismos,
Mas praias
maravilhosas e estrelas por ver ainda.
O
que é que os taipais do mundo escondem nas montras de Deus?»
A
Praça
«A
praça da Figueira de manhã,
Quando o
dia é de sol (como acontece
Sempre em
Lisboa), nunca em mim esquece,
Embora
seja uma memória vã.
Há tanta
coisa mais interessante
Que aquele
lugar lógico e plebeu,
Mas amo
aquilo, mesmo aqui... Sei eu
Por que o
amo? Não importa. Adiante...
Isto de
sensações só vale a pena
Se a gente
se não põe a olhar para elas.
Nenhuma
delas em mim serena...
De resto,
nada em mim é certo e está
De
acordo comigo próprio. As horas belas
São
as dos outros ou as que não há».
In
Fernando Pessoa, Poemas Completos de Álvaro de Campos, Tinta da China,
2014, ISBN 978-989-671-232-7.
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