Metida no Mosteiro de Santa Domingo de Toledo
«(…) O rumor sobre a paixão do rei de Castela pela mãe de Joana constitui
a primeira pedra com a qual o cronista Alonso de Palencia começaria a levantar
o edifício difamatório da futura esposa de Enrique IV. Mas ele próprio o
desmentiria noutro capítulo da sua crónica, ao narrar que o condestável Álvaro
de Luna desejava livrar-se de uma vez
e, segundo se diz, com a cumplicidade do rei, das duas causas do seu receio
para que a morte de uma rainha não fosse aviso para a outra (...).Uma das
irmãs, a rainha de Portugal, residia em Toledo; a de Castela procurava alguma
distração para os seus pesares percorrendo diferentes povoados da terra de
Segóvia, de que naquela estação do ano costumava comer certo manjar caro para
purificar o sangue. A servidora que havia de lhe dar o remédio, instruída de
antemão para o crime e aliciada com dádivas, misturou-o com a peçonha que, alastrando
lentamente, chegou ao coração justamente no momento em que se revelaram os
sinais exteriores. Assim pereceu a esposa infeliz do rei e madre do príncipe
infelicíssimo, cujo matrimónio careceu de gozo e cujo útero deu à luz praga
cruel para Espanha e contágio funesto para todo o mundo. Segundo outra
crónica, a rainha María de Castilla não
esteve doente mais que quatro dias e nenhum outro movimento houve salvo dor de
cabeça e apareceram-lhe por todo o corpo manchas arroxeadas inchadas como se
tivesse recebido açoites e estas mesmas manchas roxas passaram para a Rainha de
Portugal. O certo é que a 18 de Fevereiro de 1445, a consorte castelhana faleceu quando se encontrava na
povoação de Villacastín. E poucos dias depois morreu também a mãe de Joana, coincidência terrível que fez
circular o rumor de que fora envenenada igualmente por ordem de Álvaro Luna
através de uma mulher que gozava da confiança da rainha. De modo que, segundo o
palentino, D. María teve como
companheira na morte a sua irmã, a Rainha, vítima no desterro do mesmo crime
pela mesma mão perpetrado, mas deve ser julgada como mais infeliz, pois com
aparente felicidade concebeu germes de uma dor maior nas três filhas que teve.
Na realidade, como defende um biógrafo da consorte castelhana, Leonor e María faleceram de morte
natural. Com toda a probabilidade, os sintomas que se descrevem nas crónicas
correspondem aos de um certo tipo de meningite provocado pela Neisseria
meningitidis, que se incuba em
poucos dias e que progride rapidamente levando o paciente a um estado de
prostração, pasmo e coma em muito pouco tempo (...). O défice de leucócitos que
causa é o responsável pelas manchas equimóticas que aparecem em todo o corpo,
consequências dos múltiplos derrames que têm lugar. O príncipe Enrique
soube da notícia da morte da mãe quando se encontrava em Segóvia. Há notícias
de que mandou celebrar solenes funerais mas são desconhecidos os pormenores do
óbito da mãe de Joana, assim como o
destino imediato do seu cadáver. É provável que tivesse sido sepultada numa
capela do mosteiro de Santo Domingo el Real de Toledo. A crónica de Rui de
Pina, escrita durante o reinado de um neto da rainha Leonor, que também era
neto do regente, meter-se-ia por malabarismos para deslindar responsabilidades
para o infeliz final da rainha. Segundo este cronista, a opinião da maioria era
a de que esta morte fora ordenada não pelo infante Pedro, como muitos
maliciosos falsamente diriam, mas pelo condestável Álvaro de Luna, e que foi
levada a cabo por uma mulher de Illescas, que tinha fácil acesso à casa da
rainha e nela tinha grande familiaridade. Mas até um rei sagaz como Alfonso V
de Aragão chegou a pensar que Leonor fora envenenada. Com efeito,
em finais de Março de 1445 os
belicosos infantes de Aragão encontravam-se na vila de Olmedo organizando
tropas e dispostos a vingar as mortes das suas irmãs, pelas quais responsabilizavam
o condestável de Castela.
Para fazer frente a esse desafio armado, um delegado de Álvaro Luna assinou
pouco depois um acordo no qual o regente de Portugal se comprometia a enviar
para Castela mil homens a cavalo e mil peões. Ao mesmo tempo que o infante Pedro
punha à frente dessas tropas um filho de quinze anos que tinha o mesmo nome que
ele, a mais formosa
e mais bem proporcionada
criatura que se podia ver no seu tempo, nomeado condestável de Portugal
pelo pai, o rei Alfonso V de Aragão escrevia uma carta ao rei de Portugal para lhe
exprimir as condolências pela morte da mãe. Texto que esclarecia, em parte, a
incógnita sobre a sorte de Joana
depois da morte de D. Leonor, pois nessa missiva o monarca aragonês solicitava ao
sobrinho homónimo que a infanta fosse entregue a Vasco de Gouveia, antigo
servidor da falecida rainha». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o
Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio
Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
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