sábado, 29 de março de 2014

Contos e Histórias de Proveito e Exemplo Gonçalo Trancoso. Cristina Nobre. «Frente a la epopeya y los otros géneros literarios, la novela es pura ilusión; es el primer género en que los griegos no creen en absoluto, es sólo ficción. Por tanto puede dar o crear todo lo que se le pide, con una libertad formal sin precedentes»

Cortesia de wikipedia

«Os Contos e Histórias de Proveito e Exemplo trazem a marca de um género agarrada à sua letra primeira. A designação que o autor transmite no Prologo a Rainha Nossa Senhora, [...] cõtos de aventuras, historias de proveito & exemplo, cõ algüs ditos de pessoas prudentes & graves [...], continua a vincular o livro a uma tradição literária de que os géneros, enquanto tipos de discursos diferenciados, fazem parte. Mesmo se essa inclusão num género é algo indistinta, como aliás vinha acontecendo desde Boccaccio e o marco paradigmático que ficou a ser o seu Decameron: [...] quero contar cem novelas (ou fábulas, parábolas, histórias conforme queiramos dizer) [...]. O aparecimento de uma nova espécie, a novela breve, vinha abrir uma brecha declarada no sistema tripartido tradicional dos géneros literários. Se é verdade que esta infiltração do menor, dos contos breves e das historietas, era já uma infiltração sem idade, sobretudo se nos lembrarmos dos contos orientais (que, no Ocidente, só começam a ter voga e a ser conhecidos em fins do século XVII), e da autonomia que vinham ganhando progressivamente os exempla morais, também não é menos verdade que essa menoridade se manteve sempre identificada como tal e, portanto, como um acrescento (metaforicamente, um tumor, que lentamente ia minando com as suas raízes o corpo doutrinal) incomodativo a uma límpida teoria dos géneros. Como nos diz Carlos García Gual, En la sucesión histórica de los géneros literarios en Grecia. épica, lírica, drama, relato histórico y filosófico, la novela ocupa un último lugar. En esta sucesiva aparición de géneros literarios, típica de la cultura griega, pero al mismo tiempo realización ejemplar de unas categorías de la Filosofía de la Historia, con parangón en otras culturas europeas, la novela aparece como producto tardio en una época de decadencia. Hijo tardío de una família otrora noble y pródiga viste un pintoresco ropaje, compuesto de remiendos abigarrados de sus hermanos mayores, y quedan en sus malhas reliquias gloriosas, como en un almacén de trapero. No es un producto clásico, sino más bien algo ya anticlásico en su misma raíz.
É precisamente este posicionamento anticlássico (causa ou consequência?) que faz com que o género novela não seja tratado em nenhuma das poéticas da época, e daí que nunca tenha ficado sujeito a regras de composição com proporções fixas. Assim, teóricos como Walter Pabst recusam-se a reconhecer o estatuto de género à novela breve, que durante muito tempo terá existido sob a forma oral e de que, sem dúvida alguma, os exempla são o primeiro reflexo enquanto tipo aproximado do género literário. Ora, é precisamente aos primeiros autores de novelas que o problema do género se põe inevitavelmente, sobretudo na época do Renascimento, em que se procurava manter e revitalizar as tradições estéticas herdadas da Antiguidade Clássica. As leis que regem os géneros literários (não só as de Aristóteles e Horácio, mas também as que tinham sido elaboradas durante o Renascimento, sobretudo em Itália, como imitação da Antiguidade) transformam-se em autoridades incontestáveis. Perante esta autoridade do dogma, que os autores das novelas curtas não podiam esquecer, há uma série de manifestações teóricas, registadas sobretudo nos proémios, nos prefácios, nas dedicatórias, que muitas vezes entram em contradição com a prática literária. Isto é, o posicionamento teórico mantém as novelas breves ligadas a regras inquebráveis como a verosimilhança e a conveniência, a honestidade, as unidades de acção, episódios, lugar, tempo e estado de ânimo, ou seja, a imitação, o mais perfeita possível, da natureza; mas a prática literária nem sempre corresponde a isso.
A novela breve aparece como o campo ficcional por excelência, onde novas experiências e outros modos de olhar para a Natureza são possíveis: Frente a la epopeya y los otros géneros literarios, la novela es pura ilusión; es el primer género en que los griegos no creen en absoluto, es sólo ficción. Por tanto puede dar o crear todo lo que se le pide, con una libertad formal sin precedentes. Esta liberdade formal, esta abertura constitutiva aparece claramente em oposição com a noção de género Renascentista, que fornecia um quadro harmonioso e regrado, onde a criação era possível. Daí que as designações comecem a proliferar e que, no fundo, qualquer uma delas sirva para identificar essa novidade que saltou as normas. Ora, no meio desta arbitrariedade de designações, alguma coisa havia de ficar. É a narrativa, forma literária englobante que parece incluir todos estes significantes, aos quais não corresponderia porventura um significado muito explícito. Este nome aparece assim como a síntese do múltiplo e a procura de um significado sobre a aparente arbitrariedade da realidade nomeada de modos tão heterogéneos. A mesma multiplicidade arbitrária que foi algumas vezes utilizada como a justificação máxima (a mais fácil e também a mais frágil) de uma resistência à teoria por parte da novela». In Cristina Nobre, Gonçalo Fernandes Trancoso, Contos e Histórias de Proveito e Exemplo, Texto Instrutivo do Século XVI, Lisboa: 1990, Série Halp, 2003, ISBN 1645-5169.

Cortesia de FCG/JDACT