Um reinado de terror criado pelos piratas. O cavalheirismo das armas
portuguesas
«(…) Pode ter sido o aspecto sepulcral da gruta que sugeriu ao exilado
bardo a ideia, tão comoventemente expressa, de ali ser enterrado vivo. De
facto, o trílito que forma aquela gruta é eminentemente sugestivo de um
mausoléu rústico, ou antes daqueles monumentos megalíticos que misteriosamente
revelam a adoração de heróis pelas antigas tribos bárbaras. Possivelmente, terá
sido um dólmen dos árabes que, em eras passadas, tinham frequentado a costa da
China; e pelo lintel oblíquo os antiquários podem talvez inferir que, como
muitos dólmenes, a gruta serviu de altar de sacrifícios. Muito embora os
geólogos possam dissipar o encanto arqueológico e atribuir a formação do
trílito a um mero capricho da natureza, em alguma grande convulsão, a gruta
continua, contudo, a ser grandiosa, o refúgio de um grande e perseguido génio,
o
santuário de um brilhante e mal recompensado patriotismo do malfado poeta-soldado
cujo poema homérico, ali composto, é o orgulho e a glória imortal de Portugal.
A autonomia original de Macau. A questão do foro do chão. Política de
conciliação. A fome, o poder dos mandarins sobre Macau. Prendas para o Cérbero.
Frustrado o domínio espanhol. O regime senatorial
A cedência incondicional de Macau aos portugueses é atestada pelo facto
de, originariamente, a colónia não pagar foro do chão e o seu governo, em
rigoroso acordo com as leis de Portugal, não ser de modo algum dependente das
leis da china, ou das dos mandarins, nem a eras subordinado ou com elas
misturado. A jurisdição da colónia estendeu-se depois às regiões conquistadas
de Heangshan, onde os portugueses possuíam várias quintas de cujos produtos
a colónia subsistia em completa independência dos chineses. No documento
oficial que regista tudo isto até o nome da ilha é aportuguesado de Heangshan
para Anção.
Por muito preconceituoso que seja, Ljungstedt não pode deixar de admitir a
autonomia originária de Macau, ainda que a atribua à absurda suposição de que
no início os mais altos mandarins fizeram pouco ou nenhum caso da colónia
durante vinte cinco anos. Entretanto, a fim de obter a sanção imperial para a propagação
do cristianismo na china, como tinha sido projectado por Francisco Xavier, Sebastião,
o rei de Portugal, instruiu o conde de Redondo, vice-rei da Índia, a renomear
Diogo Pereira como enviado. Mas, tendo sido eleito pelos colonos capitão-de-terra de Macau, Diogo Pereira,
ao ser-lhe dado escolher, preferiu manter o posto, igual ao de tenente-governador.
Foi, por isso, nomeado para a missão um parente seu, Gil Góis, que em 1562 partiu de Goa com dois jesuítas.
Já em Cantão, o enviado não conseguiu aceitar as exigências dos costumes
chineses e os mandarins recusaram-se a reconhecer a embaixada com a justificação
de que esta era particularmente destituída de magnificência ostentosa e do
acompanhamento necessário, em forma de tributo, para o Filho do Céu. A corte de
Lisboa ficou, evidentemente, desagradada não só pela recusa do cargo de enviado
por Diogo Pereira mas, também, pela sua eleição extra-oficial para o posto de capitão-de-terra e, em 1563, um decreto real tratou da abolição
daquele posto que, contudo, Diogo Pereira conservou até 1587, tal era a popularidade e a confiança de que gozava como o
amigo devotado que ajudou S. Francisco Xavier, e como um dos principais fundadores
da colónia.
O governo de Macau foi primeiro investido no capitão-mor, ou comodoro,
da frota comerciante que periodicamente lá aportava, a caminho do Japão ou à
sua volta, e num conselho composto pelo capitão-de-terra,
o juiz e os quatro principais mercadores nomeados pela comunidade. O facto de a
maioria deste conselho ser representada por mercadores é, em si, sugestivo da
superior influência comercial, ante a qual as considerações políticas se
tornavam insignificantes. Por outro lado, um fluxo abundante de ouro atraía
sobre a colónia a cupidez dos mandarins distritais que, cônscios do seu poder
para perseguir o comércio estrangeiro, breve aprenderam, pela experiência, que
uma maior intolerância representava maior quantidade e mais ricos presentes dos
complacentes estrangeiros, nos quais o amargo passado imprimira a necessidade
de uma política conciliatória, quando queriam que a recém-nascida colónia e o
seu comércio florescente fossem poupados. Daqui a passividade e a subserviência
que culminaram na dominação da colónia pelos chineses.
Ao começarem a cultivar em Heangshan os
portugueses precaviam-se contra qualquer situação semelhante àquela que levou à
catástrofe em Chincheu. Com o correr do tempo, contudo, esta medida
prudente foi descurada, o distrito rural foi abandonado e a colónia colocada na
mais imprudente dependência dos chineses, uma confiança fatal que mais tarde a
deixaria completamente à mercê dos mandarins. A um simples aceno os colonos
podiam agora, por desgraça, ser -reduzidos à submissão ou à fome. Segundo o
relato de Martinho Melo Castro, os chineses, atraídos pela fertilidade do solo,
foram invadindo as terras conquistadas de Heangshan, e
imperceptivelmente, não encontrando a menor resistência, povoaram a localidade,
sobre a qual os mandarins exerceram por fim a sua jurisdição. No istmo, entre
a península de Macau e o continente, os chineses construíram então um
muro-barreira com um portão, onde um mandarim e uma esquadra de soldados impediam
aos estrangeiros a passagem para o continente, exceptuando aqueles a quem o mandarim
fornecera um passaporte». In Carlos Montalto de Jesus, Historic Macao, 1926,
Macau Histórico, Primeira Edição Portuguesa da versão Apreendida em 1926, 1990,
Livros do Oriente, Fundação Oriente, ISBN 972-9418-01-2.
Cortesia da F. Oriente/JDACT