A Herança d’O Bolonhês
«(…) Efectuar esse tipo de melhoramentos sem o consentimento do rei
constituía, pois, um claro desafio e uma afronta à sua autoridade. Bastante mais
difícil de perceber é se Afonso
estava, ou não, a par dessa proibição, embora não tenhamos dúvidas de que mesmo
que tivesse conhecimento dessas restrições, não seria isso que o iria impedir
de concretizar essas mesmas obras e, assim, como sugere José Augusto Pizarro,
de testar e desafiar, a autoridade do irmão. De acordo com Fernando Félix
Lopes, é possível que o rei, com o objectivo de resolver o diferendo de forma
pacífica, se tenha encontrado com o irmão por alturas de finais de 1280, quando estanciou nas localidades vizinhas
de Estremoz, de Elvas, do Alandroal e da Juromenha. Porém, se isso realmente
aconteceu, de nada serviu e ambos devem ter-se afastado ainda mais após esse
encontro. Terá sido, pois, sem grande surpresa que o infante recebeu a notícia,
talvez nos inícios de Março de 1281,
de que o rei se preparava para ao comando da hoste régia, avançar em direcção
aos seus domínios. O objectivo estratégico do rei Dinis era, precisamente a
fortaleza de Castelo de Vide, cujas
estruturas recém-erguidas o monarca queria ver demolidas. De imediato o infante
deu início à organização da defesa da praça-forte, preparando-a para o cerco
que se avizinhava, começando, naturalmente, por convocar alguns dos seus
vassalos e respectivas mesnadas, para além de muitos outros combatentes
mobilizados na região do seu senhorio. Entre os que então se integraram na
defesa da praça-forte é, possível que se encontrassem o alferes Gomes Pais,
Vasco Peres Farinha, Rui Pais Bugalho, Pedro Esteves Tavares, Martim Podentes,
Estevão Gonçalves Safanhão, Rui Gil e Martim Rodrigues Babilão, Estêvão Peres
Vinagre e Gomes Lourenço Cerveira, algumas das figuras presentes no acordo
de pazes firmado na sequência do final do cerco.
Ainda que as fontes nada adiantem a esse respeito, parece-nos possível
que, graças a esses contributos, Afonso
tivesse conseguido reunir largas centenas de combatentes, entre cavaleiros,
peões e, certamente, alguns besteiros. O infante ter-se-á também assegurado da
existência no interior da fortaleza de armamento e de munições suficientes
(nomeadamente virotões de besta),
mas também de mantimentos, já que o acesso à água potável estava, à partida,
garantido pela existência de um poço no interior do castelo, condições sem as
quais não seria possível suportar um cerco prolongado. Com um número
substancial de combatentes, com armas, munições, víveres e água em quantidades
suficientes, com a protecção de estruturas fixas de defesa recentemente
erguidas e, como tal, em excelente estado de conservação e bem preparadas para
enfrentar o assédio por parte das forças do rei, Afonso tinha bons motivos para confiar num desfecho favorável.
Claro que o infante não esperava conseguir obter uma vitória militar expressiva
sobre a hoste régia, mas decerto que lá bem no seu íntimo, não deixou nunca de
acalentar a esperança de conseguir forçar Dinis
a um cerco prolongado e penoso, ao ponto de se ver obrigado a desistir das suas
intenções. Um outro motivo para que o infante se sentisse confiante num desfecho
favorável era o facto de saber que o rei se debatia com sérias dificuldades no
tocante à mobilização da hoste régia. De facto, o cerco tem lugar numa altura
profundamente marcada pelas exigências da nobreza por remunerações mais
avultadas e pela recusa em cumprir os seus deveres militares de natureza feudo-vassálica.
E de facto, a avaliar pelas fontes disponíveis, o exército então reunido
sobressaía mais pelas ausências que pelas presenças, designadamente ao nível
dos ricos-homens detentores de tenências, o que não invalida que o rei tivesse
conseguido a colaboração de algumas outras mesnadas nobres. Na realidade, de
entre as forças que integravam a hoste régia, a única presença documentalmente comprovada
neste cerco é a das milícias concelhias de Lisboa, a que se terão também
juntado, supomos, as de Santarém, localidade onde o monarca se encontrava antes
de partir em direcção ao Alentejo e onde parece ter agrupado os seus efectivos.
Mesmo assim e só com base nestes dois apoios, o rei terá conseguido reunir, no
mínimo, entre 1500 e 2000 homens, o que talvez tivesse permitido
mobilizar um total de perto de três milhares de combatentes. Trata-se de um
número ainda assim modesto, mas que pode também ser o resultado, por um lado,
de algum excesso de confiança por parte de Dinis,
que pensou que rápida e facilmente conseguiria submeter o irmão, e, por outro,
de alguma contenção no momento da mobilização, de modo a afastar os inevitáveis
problemas, mormente os que advinham das dificuldades de abastecimento, com que
se debatiam os exércitos de grandes dimensões». In Miguel Gomes Martins,
Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
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