«Junto às praias do ocidente, onde
o sol, ao aproximar-se a noite, já demanda o oceano, e levado no seu carro
ebúrneo, quase toca o imenso mar, com os seus cavalos cansados pela longa
carreira, fica um lugar, onde um vale ameno, por entre rochedos que se elevam
até aos céus, se recurva em graciosos outeiros, por entre os quais se sente o
murmurar da água. Circunda o oceano a imensa mole, e três píncaros
elevadíssimos guindam-se até aos astros, a ponto de, quando densas nuvens os
não coroam, chegarmos a acreditar que o céu assenta sobre tais colunas.
Vivem os Faunos nestas solidões, as
quais servem de abrigo às feras, vindo frequentemente os caçadores armar laços
às mães e aos filhos. Na parte inferior, os carvalhos apinham-se no meio de
densa folhagem, fornecendo a sombra amplas casas para Silvano e para os Satyros.
Aqui se encontram em grande número, o choupo, a aveleira, a faia,
a pereira, a cerejeira, a ameixieira, os castanheiros,
e inúmeras outras árvores que dão alimento aos felizes mortais, tudo dádiva dos
Deuses do céu. À direita, a flava
Ceres espontaneamente ensinou os mortais a lavrar os campos, a
semeá-los, e a formar as searas. Do lado esquerdo para a parte do norte, a cada
passo oferece Pan amplas pastagens para os rebanhos. Às faldas da
serra ostentam-se viçosos limoeiros, tão belos quanto os costuma produzir o jardim
das Hespérides. Aqui se encontram as folhas do louro, outrora prémio dos
vencedores, com as quais ainda hoje os poetas costumam cingir as suas frontes,
e cresce abundantemente a murta, tão querida de Vénus; tudo, enfim, nos encanta
e perfuma o ambiente com a sua fragrância e com os seus frutos.
Ressoam os bosques com os gorjeios
do rouxinol, geme a rola, e a pomba, e fazem ali seus ninhos todas as aves que
voam pelo espaço, no meio de um chilrear ensurdecedor. Nos prados florescem as odoríferas rosas, os lírios, as violetas, o
fragrante tomilho, a hortelã, o alecrim, o narciso, o poejo bravo, a videira
sagrada, e muitas outras flores, ervas e arbustos que a terra fertilíssima
produz, nos vales, e nas selvas, com que a cada passo ornam as suas
frontes as Dryades, os Faunos, as Ninfas, e os Deuses cornígeros. Corre
a água cristalina com brando murmúrio pelo meio do vale sombrio, por entre
enormes rochedos, e nos pequenos lagos que ela forma, costumam vir banhar-se as
formosas Ninfas, no romper da
aurora, ou mesmo ainda quando a noite tem o seu manto estendido pela serra.
Sobranceiro a um destes lagos fica soberbo palácio, de onde a régia
prole, na candura da inocência, desfruta o sublime panorama que lhe oferece a
espessa mata.
Enquanto eu daqui espraiava os
olhos por todo o horizonte, admirando tanto mimo, tantas delícias da natureza, Céfalo tinha deixado a Aurora, e
ela ruborizada começou a iluminar as terras afugentando a noite. Então
repentinamente, de um dos lagos, levanta-se uma Ninfa com um corpo e uma voz divina, olha, e assim se me dirige,
espontaneamente com estas palavras amigas: Salve!
donzela, que tão grata és aos Deuses. Em que pensas, ó Sigeia? Habitando nestas
altas mansões, desejas conhecer os destinos da tua querida princesa? Então
eu: Se os Deuses despachassem
favoravelmente os meus desejos, levantaria até aos astros Senhora tão excelsa. Ó
Ninfa, guarda deste recinto, que semelhas urna deusa com essa tua formosa
madeixa, nesse teu rosto, nos olhos, no seio e mais que tudo no teu majestoso
porte, tu que reúnes as águas no vítreo pego, e tens poder para revelar os
destinos dos Países, diz-me para que reinos e para que tálamos está destinada a
princesa real.
Enquanto assim falo, ela alegre
solta dos róseos lábios as seguintes palavras: Ó Donzela, ouve a resposta ao que me perguntas e não duvides:
O Pai Neptuno conduziu-me há pouco até aos remontados paços onde Júpiter
costuma reunir os deuses. Lá os vi todos libando o néctar precioso e a
ambrósia: terminado o banquete, os Deuses imploram para a princesa dons régios,
que a façam avantajar-se em poder a quantas excede já em merecimentos. Achava-se
presente a douta Minerva, Apolo inventor do canto, e também Calíope, todos
estimadíssimos de Júpiter, e também estimados da princesa, cultora exímia das
suas artes. Agradecidos portanto eles pedem dádivas extraordinárias. Júpiter com o
sorriso com que ilumina os astros, responde assim á súplica unânime dos Deuses:
Alegrai-vos, ó Deuses! Sabei que é
minha vontade que fiquem inabaláveis os destinos da augusta e poderosa
princesa. Não desespere, embora veja que outras princesas a vão precedendo no
trono: a seu tempo os destinos dela assumirão o seu lugar. As grandes coisas só
se alcançam por meio de grandes trabalhos: nem o régio Olimpo detém os Deuses
inactivos; por toda a parte são vistos os esposos que outras hão-de tomar,
porém aquele que os Fados lhe destinam a ela, só o sabem as mentes celestes.
Depois, feliz, quando casar, terá o império do mundo; e um e ouro hemisfério
pacificados, curvar-se-ão diante da sua Senhora. Vai pois, e conta-lhe
com discrição o que te acabámos de vaticinar, para que ela passe os dias
tranquilos. Nem fiques com cuidados, ou temas
relatar-lhe os destinos: todos os teus desejos se irão gradualmente realizando.
Todavia, diz-me ó Ninfa, encarecidamente to peço, o tempo do presságio.
Perguntas
bem; é necessário conhecer também os tempos; porque o Pai omnipotente,
levantada a mesa, os marcou nos deuses. Antes que o sol da primavera se volva
por sobre um e outro pólo, muitas vezes de Câncer para Capricórnio, sucederão
todas as coisas que profetizei. A
ilustre princesa, então, irá súplice diante dos altares oferecer os seus votos,
juntamente com o incenso. Assim falara, e a Deusa, de novo salta para as
líquidas aguas e veloz na carreira, esconde-se no pego. E eu que de tudo
costumava duvidar em atenção à Princesa, voltei depois segura do vaticínio. Creio
que Mercúrio foi mandado do Olimpo sob a forma de uma Ninfa, para me predizer o
futuro da minha Senhora. Agora, suplicante, levanto para os céus as minhas mãos
por tão feliz acontecimento, porque, em verdade, não me falece a crença. E
quando eu vir já tudo completamente realizado na Princesa, espero então obter
um lugar entre os habitantes do céu». In P. Fiadeiro, D. Luiza Sigea de Toledo,
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